segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014


Tem cara de lua cheia, cheíssima.
Com uma diferença: a lua, no plenilúnio, irradia claror, num fulgir de oiro vivo, a abarcar o universo.

Se brilho há no nosso herói, é o da enxúndia ressumante, nausea.
Reforçando esta repulsa, está a auto-satisfação bronca, de campónio esperto e videirinho, à espreita, com olhinhos em fisga.

Começou a arte de viver, ao balcão do pai, e um dia, indo à cidade, resolveu trocar os soquinhos por botas e acamar a grenha em gel.
Fez, depois, estudos. Sorte a dele, encontrou professores que acharam graça à teimosia do puto.

Engoliu saberes, não digeriu e, graças à memória prodigiosa, citava de cor o que nunca entenderia.
Sendo o que é o nosso ensino, a formidável qualidade granjeou-lhe notas de louvar, acabando formado, assistente, professor.

Uma coisa, porém, continuaria a recusar: o ser humano, minúsculo, desestabilizando a Terra, destruindo o planeta.
Sentiu ser seu dever acumular argumentos inapeláveis, contra o imenso disparate.

Como um tolo é sempre ouvido, ei-lo em prelecções televisivas, logo a seguir aos sábios comentários futebolísticos.
Em tão boa hora, que transnacionais interessadas em quem lhes defenda malfeitorias e predações custearam viagens, organizaram simpósios, projectaram-no em revistas científicas.

Algum tempo depois, era o idiota referência, luminária.
Seduziu-o, então, a política da paróquia e, precisando de cartão de um partido, espreitou, inquiriu.

Não lhe faltaram escolhas por já ter a atenção atenta do arco da governação.
Hesitou, decidiu-se pelo Partido Socialista.

E chegou a ministro, sim, senhor!
Duvidam?

Não duvidem, que eu conheço muitos outros casos em gordo, magro e assim-assim.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014


Encontrei em tempos, nas minhas deambulações pelas leituras, uma definição preciosa de fascismo: exploração brutal de quem trabalha.
Concordei, de imediato, e entendi o que outros parecem não entender: a repressão violenta surge, apenas, quando o explorado se rebela.

Realmente, para quê recorrer à brutalidade, se o explorado é resiliente, como hoje se explica a nossa bovinice actual.
Parece-me, pois, haver algumas semelhanças entre o que é e o que foi.

Ora, corria então, nessa época que se diz passada, o seguinte:
Um jornalista estrangeiro veio conhecer o país e, logo, estranhou o facto de não encontrar ninguém.

Percorreu todo o sul, subiu às Beiras e, ali, para os lados de Vale de Cambra, avistou um velhote, que se babava, resmoneando qualquer coisa.
Como era o único ser vivo que encontrava, aproximou-se, tentando decifrar o que o ancião murmurava.

Com grande esforço, percebeu e, siderado, perguntou-lhe quem era.
A resposta foi “sou o dr. Salazar de Santa Comba”, continuando o resmoneio anterior:

- Matei-os a todos, mas salvei Portugal.
Onde é que ouvi isto?

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014


Ciclicamente, coincidindo, talvez, com fenómenos astrais de equinócio ou eclipse solar, realiza-se, na mais prestigiada casa de espectáculos, uma sessão solene.
O arvorado chefe aparece na ribalta e, em férvida exaltação do seu ego, propala quanto fez, numa enumeração de sucesso em sucesso.

Das bancas do anfiteatro, os macaquinhos amestrados vão batendo as patitas, ao sinal convencionado da interrupção da perorata com um golinho de água.
Para cúmulo da tristeza, surge, por vezes, o idiota útil, que afirma ir fazer diferente, sabendo-se que serve apenas os interesses que os outros também servem.

O resto, na figura de alguém acossado pelo tempo e pela senhora presidente, é pitadinha de sal na mixórdia, nem mesmo assim tragável.
Cá fora, em circuito fechadíssimo, os que se ganham a vida na pura bisbilhotice comentam entre si, oralmente ou por escrito, num compadrio confortável.

No espaço mais largo e poluído da vida, a formigação não pára, no afã fracassado de evitar a sopinha dos pobres, já sem resposta para tão grande procura.
É de tudo isto que devemos orgulhar-nos, dizem, pois trata-se da democracia em marcha.

Fúnebre, certamente.
Pouco convencidos, embora sempre dispostos a engolir seja o que for a troco de uma cerveja, os jovens vão-se apressando na direcção de Saramago e Maria João Pires: a fuga.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014


Quem saiba interpretar os indícios só poderá alegrar-se, ainda que se veja imerso num imenso pantanal de podridão.
Os impérios morreram, não de saúde, mas de doença, como as pessoas.

Ora, uma doença não se vê, sofre-se.
Querem sinal mais conclusivo que a fina ideia da senhora presidenta da Assembleia?

Propunha, a coitadinha, que as comemorações de Abril fossem patrocinadas por mecenas generosos.

Imagine-se a bancada do PSD, por exemplo, exibindo, à frente, publicidade garrafal ao papel higiénico, se possível com o mordomo Marques Guedes de biquini, em pose de pin--up.
O que, vendo bem as coisas, talvez abrisse portas à nossa fervente criatividade.

Para o PS, então, sugerir-se-ia um produto eficaz contra o mau hálito e os maus cheiros.
E ainda há quem duvide de que batemos e encalhámos no fundo!

Não esqueçamos, também, que a ilustre criaturinha esteve oito anos no Tribunal Constitucional, donde saiu, novinha e fresquinha, com a reformona por inteiro.
Um dado mais, certamente, para que avaliemos da grandeza moral e de pensamento do dito tribunal, que um dos habituais comentadores de serviço, num momento de rara lucidez e honestidade, se descaiu em dizer que tem andado com o Governo ao colo.

quinta-feira, 13 de fevereiro de 2014


Exultei, sinceramente exultei.
O desgraçado, inseguro nas pernas, procurava as cordas, na esperança de ouvir o gongue salvífico.

Mas nada parava a saraivada de murros, por baixo, por cima, catastroficamente, que o meu mais que adorado ídolo desferia, impiedoso, apocalíptico.
Era orgástico vê-lo enorme, épico, numa fúria assassina de bull-dog cervejeiro, impor-se, ali, no ringue parlamentar.

Metralhou, então: as exportações subiram, subirão, imparáveis, em pujança pletórica de Amorins, Santos e Azevedos.
É minha esperança que, a partir de agora, o pobre diabo, vencido, humilhado, aprenda a orgulhar-se dos lucros da banca e seus e nossos donos.

Vamos aguardar que aprenda ser a falta de emprego, a miséria geral, a emigração espavorida, a morte por abandono, e demais pieguices, pressupostos incontornáveis à criação de progresso sustentado, de acumulação sem fim de lucros a resguardar, bem entendido, na genial e bem conseguida invenção financeira – os paraísos fiscais.
Estou, mesmo, em prever que, num futuro opulento, muito próximo, iremos impar de brio lusitano, revelando ao mundo, não somente nomes futebolísticos, mas o número e valor de milionários que prosperam aqui como em parte nenhuma.

Alentam-me o sonho e a fé as recentes informações de que continuam crescendo em lucros, quantidade e poder.

Diz Miguel Ángel Revilla que aquilo a que assistimos não é isto, nem aqueloutro, nem coisa nenhuma, mas pura rapina.
Longe de mim contestar quem sabe, até por não ser este o meu ramo, mas sempre entendi que capitalismo consistia em deitar a mão ao que os outros produzem.

Se através dos tempos adopta máscaras ou pseudónimos diversos, é que intenta não ser reconhecido e prosseguir no roubo.
Foi democracia qualquer coisa, social-democracia, liberalismo, socialismo, nacional-socialismo, aferrando-se, invariavelmente, ao estratagema de pôr a cenoura diante do focinho do burro, para que ele ande e lhe faça o trabalho.

A cenoura é, hoje, um mundo triunfal, com riqueza a rodos para todos, a que deram o nome de Nova Ordem, esquecidos de que esta já existiu em Auschwitz.
E o certo é que a treta tem surtido efeito, graças, também, à preciosa ajuda de escolas, catequeses, prédicas, jornais, televisão ao serviço de.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014


A nossa gente é, na verdade, ordeira, cordata, sofredora, inexigente.
Ouvi eu, há dias, da boca de quem muito sabe, especificamente como ganhar-se bem a vida, ouvi o qualificativo perfeitamente adequado: civilizada.

Envergonha, pois, ver no meio de manada tão pacífica, espíritos retorcidos, rancorosos que parecem comprazer-se no mal e têm o desplante de afirmar que a actual percentagem do desemprego se deve, não ao facto de uma economia pujante, mas ao cansaço dos que procuraram em vão, à contratação de uns novatos, em substituição dos mais velhos, por metade do salário, sem direitos e em situação precária e, mesmo, à emigração.
Negam, também, o real aumento das exportações, por ter havido quem passasse à porta da mercearia da esquina e resolveu entrar, para enorme satisfação do comerciante, que, atordoado às moscas, cabeceava de sono, na falta de clientes.

Nem entendem sequer que a miséria presente abre portas a um futuro radioso e a dívida perpétua, sempre a aumentar, é a garantia do céu que se nos oferece.
Graças a Deus, já vão sendo muitos os cachorros de pitbull que, mostrando raça, ladram raivosamente e morderão mais tarde, quando chegue a sua vez de defender a coutada dos donos.

E se puséssemos na prisão todos esses negativistas, derrotistas, antipatriotas?
Ah! Estão a estudar o assunto?!

POLÍTICA

Viveu milénios, numa indefinição irresolúvel
Uns realçaram-lhe as características histriónicas e integraram-na nas artes de representação.

Outros, sensíveis à palavra, inclinaram-se pela retórica.
Quiseram mais alguns enquadrá-la no âmbito das ciências especulativas e deram-na como afim da economia e das finanças.

Não faltou, mesmo, quem, preso na aspereza do horizonte, a estatuísse em arte e ciência da exploração e opressão.
Hoje, é unânime que se veja nela o mais profícuo ramo da cinegética

De facto, indivíduo investido na missão de a exercer, mal se encontra empossado, avança para o levantamento de paredões e muros, transformando o país, que lhe coube, numa coutada sua.
Por inerência do cargo, fica igualmente isento de prestar contas, podendo contratar quem bem quiser, vender ou comprar o que assim entender, tudo ao abrigo inquestionado de uma total impunidade, ad aeternum.

Se se desgostar do que faz, aguardam-no, à porta, as situações rendosas que antes preparou.
Dirá, então, civilizadamente:

- Pois meus amigos, ide a bardamerda!
Depois, quando o feitio lhe pede, assume, de imediato, os novos e confortáveis mandos que por ele esperaram.

Caso o seduza um beatífico e merecido repouso, há, pelo mundo fora, ilhas de sonho, livres da fiscalidade, preservando-lhe o montinho que previdentemente empilhou e pilhou.
Tanto mais que, nos muitos centros do saber, estão sábios trepidando, na ânsia de lhe ouvir a fórmula mágica de enriquecer honestamente.

Blair e González, para não ir mais perto, decidiram-se por um retiro doirado e, benditos sejam, Deus e eles, vão-se saindo muito melhor que antes, quando governavam um populacho volúvel, capaz de entregar o precioso voto a outros bem piores que eles.

domingo, 9 de fevereiro de 2014


Domingo, 9 de Fevereiro de 2014

Como é de regra, nos fins de semana, os canais portugueses, aproveitando a maior disponibilidade das pessoas, vertem-lhes em cima o lixo que lhes sobra dos restantes dias.
Eu, se estou em casa, evado-me, em busca de um pouco de ar, nas televisões estrangeiras.

Às quatro da tarde, invariavelmente, disponho-me a ouvir, na TV5, francesa, o programa “Kiosque”, fracote, por vezes, mas mais respirável.
Em má hora o fiz.

Uma jornalista falou de Portugal, resumindo, em três palavras, o que antes havia dito.
- “ Portugal se meurt!”

Portugal está a morrer.
Foi a frase mais triste que até hoje ouvi.

Não simpatiza com ele? Eu também não.
Aqueles traços repuxados, o focinho de fuinha deixam adivinhar um tipo refalsado, peçonhento, mau.

Já o viu a andar, enviesado, como galispo raquítico que arrasta a asa e a pata? Sim, sim, faz lembrar-lhe alguém!
Vou contar-lhe uma coisa que se passou comigo.

Cruzámo-nos à entrada do prédio, no preciso momento em que a moça da porteira, de joelhos, enxaguava o chão e tão à vontade e distraída estava que não deu por nós, mostrando bem mais do que é costume mostrar.
Eu, quando a moça nos viu, dispus-me a saltitar, brincalhão, agradecido pela vista, até ao elevador.

Tardando o vizinho para o embarque, virei-me e olhei.
Estava pálido, estarrecido, petrificado.

Teve a moça, simpaticamente, de desdobrar o pano para que ele passasse, poupando-o ao chão molhado.
Só então se aventurou aos quatro passinhos que o separavam de mim.

Já connosco na subida, rosnou, raivosamente:
- Que parecia impossível, àquela hora, ainda nas limpezas.

Eu limitei-me a cuspir-lhe um brevíssimo pois, pois, e, assim, me despedi.
Mas curiosei-me em saber quem a criatura era, que o nome cintilha-lhe na placa gravada da caixa do correio.

Sentei-me à frente do computador, liguei à Internet e tudo se esclareceu.
Estava num escritório de advogados, dos muitos que parasitam o Estado, a nós, bem entendido, em aconselhamentos, assessorias, pareceres, estudos, redacção e celebração de parcerias, as mil e uma coisas que não lembram ao diabo, mas correntíssimas e chorudas.

Querendo, encontrá-lo-á, ainda, na Administração da Gil & Gil, empresa especializada em contratos por ajuste directo.
Aqui, senti a pulguita na orelha, como dizem os franceses, porque negociatas destas pressupõem amiguinhos do peito, compadrios, cambalachos.

Daí o ter ligado, à hora certa, para o canal Parlamento.
Pois, não quer saber, lá estava ele, impecável na fatiota, focinheira franzida, ao lado de um seu correligionário Menezes, igualmente franzido, além de obstipado.

Tive a impressão de que, embora compinchas, se encontravam em despique, tentando descobrir qual dos dois seria mais capaz de provocar urticária a quem vê.
Nesse dia, da ordem de trabalhos constava a privatização dos Correios, das Águas e, se tempo houvesse, CARRIS e TAP.

Sem mais comentários, dir-lhe-ei que, sim, senhor, ele estava no partido certo e era de augurar-lhe um futuro político radioso e gratificante.

sábado, 8 de fevereiro de 2014


Vem na Bíblia: bem-aventurados os pobres de espírito, que deles será o reino dos Céus.
Eu, ferveroso criacionista à moda americana, sigo inteiramente à risca a palavra revelada, por aspirar, ainda, a um lugarzinho lá em cima.

Julgo, pois, que me compreenderão, quando afirmo a minha tolerância ao ouvir uns nobrezitos das berças ou ex-negreiros desforristas:
- Reproduzem-se como coelhos.

Assim se referem, com frequência, aos mais desgraçados, eles que dispõem de magníficas casas, quartos separados, bom aquecimento e amantes prestáveis e agradecidas.
Mas que irrita, irrita!

Deu-se o caso até, de, há dias, ter escutado, siderado, um gaguinho com ar de sacristão:
- A grande maioria dos pensionistas não sofrerá nenhum corte.

Afirmação expandida com ligeireza idêntica quando diz, macarronicamente, nos seus acolitismos:
- Et spiritu tuum!

Julgar-se-á, a criatura, generosa, por permitir ao rafeiro usufruir do osso esburgado que lhe atirou?
Tinha imenssíssima razão Einstein, que punha em dúvida a infinitude do universo, mas jamais o faria quanto à estupidez humana.

Entre os muitos desafios, perdão, “derbies”, portugueses, espanhóis, franceses, ingleses, lapões e papuas, quis a sorte que tropeçasse numa emissão directa da Palhaçolândia, em que o chefe daquilo empossava o chefe daqueloutro, em cerimónia solene, de grande pompa.
Evento do género exige, infalivelmente, que, após os passes de mágica rituais, se faça uma falação.

Disse, então, S. Exª, explicitamente e implicitamente, numa pedagogia muito sua de esgares, espichamento de pescoço, guinchos e ronquidos, que, sim, senhor, numa hora tão difícil não havia alternativa ao roubo de novos, velhos e crianças. Com uma excepção: as forças armadas.
É premente defender o país no Afeganistão e no Balaquistão.

Logo, impunha-se não regatear armamento sofisticado, a quem expõe a vida, por nós, em missões de subida nobreza.
E eu, concordo, de facto, que se passe a mão pelo pêlo da força, na prevenção de um possível dissabor ditado pelo desespero.

Sou, também, um recém-nobilitado e tenho de aplaudir, necessariamente, esta visão arguta, à distância, de um futuro de temer, que ponha em risco o que tanto nos custou a conseguir, a nós, os eleitos.
Não é por nada, mas habituei-me já ao meu presente aconchego e ser-me-ia imensamente difícil ter de adaptar-me a uma nova situação.

Aliás, o meu mimetismo camaleónico tem os seus limites.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014


Para bem nosso e deles há personagens que não nos merecem grande atenção.

Mas este, embora insignificante na sua gaguez física e mental, começa a aparecer-nos, demasiadas vezes, pela frente, e eu, francamente, nem em mulheres tolero este exibicionismo de sedução.

Quis o destino malfadado que a criatura se tenha promovido a uma espécie de porta-voz da estupidez governamental e, volta e não volta, há que aturá-lo na televisão que todos nós pagamos.

São três euros, é certo, nada do outro mundo, para desfrutar de um idiota amarelinho a assumir atitudes de pessoa crescida, desbobinando bacoradas e mentiras, sem contenção, porque julga, de certo, que, por estas bandas, só há broncos e mentecaptos como ele.

Ora, não é tanto assim, embora eleições e votações tenham demonstrado, de sobejo, que o grau de entendimento por cá não é coisa de que nos possamos orgulhar.

Mas, ao menos quem dirige mais miudamente os programas, e não será certamente o cervejeiro, quem tenha essa responsabilidade devia esforçar-se por respeitar minimamente o pobre contribuinte e não medir toda a gente pela bitola da tolice.

Como castigo pelos nossos pecados, já nos bastam os dislates do gordo mal-cheiroso ou da Júlia peixeira, a catadupa de futebóis e a tromba respectiva dos seus comentadores, as inesgotáveis telenovelas, que têm feito, pelo estado de brutidade em que nos encontramos, muito mais do que a pedagogia que correu e corre congeminada e consagrada nos centros cimeiros que nos formatam e comandam o mundo.

quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014


Neste horizonte que é o nosso, onde, paradoxalmente, a miséria colectiva contrasta com a miríade de génios que por cá pululam, sobressai um senhor comentador, decano dos mesmos e grande académico.

É um prazer ouvi-lo numa autopromoção subtil de seus dons, méritos, vida e proezas, porque o faz de maneira inteligente.

Um perfil, é bom de ver, que destoa brutalmente com a mediocridade que é norma em governo e arco de governação.

Não se estranhe, portanto, o seu afastamento dos protagonismos presidenciais pelo governante-mor em exercício, na coutada sua.

E o que acabo de afirmar justifica-se com a ponderação e respeito que ponho, se porventura, caio em discordar de suas opiniões expendidas em estúdios de televisão.

Desta feita, porém, é incondicional a minha concordância, quando classifica de BOM os feitos do senhor ministro da Saúde, ele, com a prática de muitos anos em graduar cientificamente os pupilos que o escutam.

Nota de bom na sua boca corresponderá, por certo, numa boca comum, a excelente, fenomenal, estupendíssimo.

Porquê a minha concordância?

Este senhor ministro, muito argutamente, soube escolher a melhor posição para caçador sabido, colocando-se exactamente onde a presa surgirá, acossada, batida, sem forças para defender-se ou ocultar-se.

Em suma, as melhores condições para o tiro de misericórdia.

Revelo-vos o ponto preciso onde o caçador se posicionou: a porta dos hospitais.

Aí, o caçado, cambaleante, esgotado, esbarra contra um muro de dificuldades de todo o género e os batedores de serviço irão cercá-lo impiedosamente, para que o senhor ministro acabe com ele.

Cito o caso recente e mais conhecido em que um jovem teve de andar aos tombos, através do país, por quatrocentos quilómetros, de coração exausto.

E, contra todas as previsões, o pobre nem assim morreu, esperando-se que tal aconteça quando confrontado com a conta que terá de pagar.

Forma mais engenhosa de abater uma presa não me parece haver, até porque se poupa nas munições.

Creio, pois, que este nosso ministro retorcido, dito da Saúde, dever-se-ia chamar da Doença ou, melhor dizendo, da Morte.

Como sempre aprecio um pouco de inteligência real e não a presumida, sinto-me na obrigação de reconhecer que há miolo, substância, muita lição a aprender, neste grande cérebro ministerial.

 

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014


- Parece impossível, minha senhora, que não conheça o Tanas!

Não sabe, ainda, quem lhe cortou no ordenado e a aconselhou a dizer adeus à reforma, cada vez mais longe?

O Tanas, minha senhora, o Tanas.

Pergunta-me por que roubaram à sua mãezinha a pensão de viuvez e o seu filho, depois do doutoramento, teve de emigrar para a Alemanha.

O Tanas!

A dívida não pára, sempre a crescer e está a ser empurrada para os seus netos e bisnetos. O Tanas! E o país está de rastos e piora dia a dia?

Pois é o Tanas, o maldito Tanas que, se não fosse o governo, o nosso abençoado governo, e a mansidão de nosso povo civilizado, seria bem pior.

Não diga, por favor, que se arrepende de ter votado PSD e pensa votar no PS.

Para quê o esforço, se os dois fazem parte da mesma moeda?

Se se sentir, depois, outra vez enganada, já sabe que a culpa é do Tanas, o Tanas malvado, que nos inferniza a vida e desgraça o país.


Cansou-se Deus de descer e subir dos céus, para tão parcos resultados e, desgostado, abandonou-nos, entregues à nossa irremediável estupidez.
Com tamanho asco que, mesmo em lugares de enorme santidade, não se regista, há muito, milagre assinalável.

Ora, se nós, bichinhos irracionais, sentimos, por vezes, um baque na consciência, era bom de prever que, tarde ou cedo, Deus viesse a ter remorsos, ao ver como nós nos afundávamos dia a dia.
Arrependido, inspirou os nossos donos europeus, que, embora a custo, puxaram os cordões à bolsa onde depositáramos, por obrigação, um bom dinheiro e, depois, milhões e milhões entraram no país para acções de formação.

O pobre, a quem sai inesperadamente a sorte grande, perde facilmente o pouco juízo que ainda tem.
Recordo, por exemplo, ter havido propostas de danças de salão e ténis de mesa, visando enriquecer a carreira de professor.

Não sabiam lá fora?
Sabiam, até de sobra.

Mas escute: quem esteja em formação não figura no número dos que querem trabalhar e não encontram e, assim, a percentagem do desemprego diminui substancialmente.
Ouviu uma moça na televisão que já ia na quinta formação?

Já percebe por quê.
Mais: com o dinheiro enviado, vieram também novas instruções para regras de cálculo e outras subtilezas no apuramento contabilístico do desemprego.

Tudo inútil. Os números estavam crescendo e a miséria alastrando.
Apagaram-se nomes, fecharam-se centros, criaram-se contratantes parasitas, aconselhou-se a emigração, tudo se fez, com taxas, sobretaxas, impostos, sobre-impostos, para que muitos morressem e outros se suicidassem.

Nada travou o que na nobre formulação da linguagem económica se chama “crescimento negativo”.
É o que os abutres, dentro e fora de governos, bancos e empresas, tinham cavalgado a onda para cortar nos salários, reduzir o pessoal, despedir os mais velhos, roubar nas pensões, rasgar contratos, abolir direitos e continuar, por esta via, até o país ter um nível que impedia ir mais longe.

Os que navegam em águas doces ou salgadas dizem que se bateu no fundo e nós navegávamos há muito em pleno mar da desgraça.
Impunha-se uma nova inspiração celeste e ela surgiu: voltar a contratar por tuta-e-meia, precariamente, sem direitos nenhuns, gente descartável e descartada que a fome empurrava a vender-se por qualquer preço.

Bem visto, não?
E, pronto, os taumaturgos milagreiros podiam pulular e exibir os seus dons que os milagres aconteceriam: desemprego a decrescer, a água a passar a vinho, a mentira a verdade, o despudor a seriedade e o desespero a esperança e o futuro a fulgurar.

Em suma: vão ser sucessos diários, a redenção está à vista, os agiotas felizes.
À aproximação das eleições, é previsível que o ritmo acelere, numa febre alucinante que nos fará mais tolos, ainda, do que somos, a ponto de voltar a votar nos inspirados de agora e nos outros que estão à coca.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014


Não, não é só Maria que beneficia de bafejos divinos.

 Também eu, no dia 1 de Janeiro de 1986, tive a revelação da verdade, quando se consagrou a nossa épica entrada na União Europeia.

 Finalmente, já sabia quem era, eu, que até então andara à deriva, por não ser coisa nenhuma.

 À data do memorável evento, milagre do nunca suficientemente louvado político, Soares, assim se chama, passei a ter um nobilíssimo estatuto: era europeu.

 Daí o meu repúdio, com toda a força do meu ser, pelas palavras de um tal Carvalhas, comunista, como não podia deixar de ser: - É estupidez juntar um pote de barro a um pote de ferro (1).

Discordei na altura e discordo agora, apesar da dívida impagável para que nos empurraram, apesar da canga que pretendem impor-me para todo o sempre.

Nada, mesmo nada, conseguirá beliscar este meu orgulho de ser europeu, pertencer à civilizada casta dos agiotas, predadores e imperialistas.

 
(1) Creio poder dispensar o desenho para que se compreenda a metáfora.

Ex.mo Senhor Professor Doutor

 Com prévio agradecimento, partilharemos consigo a linha do pensamento que nos rege, prometendo, ainda, que, em ocasião oportuna, solicitaremos suas ideias e serviços.

 De momento, quando nossos agentes comerciais estão procurando colocar lotes de dívida e do país, por todo o mundo, julgamos não ser prudente dar uma expressão mais larga ao patriotismo, para lá do de lapela e da pseudo-partida da Troika.

 Permita recordar-lhe a delicadeza da situação e lembrar que degradação social, corrupção generalizada e descontentamento popular proporcionam o surgimento de salvadores da pátria.

 Comprova-o, sobradamente, a história antiga e recente, dentro e fora de Portugal.

 Assim, levar longe de mais uma insistência na soberania e dignidade nacionais, poderia, a nosso ver, facilitar o passo a quantos anseiam por pôr a seu favor o muito que já fizemos.

 Reiterando sempre a nossa gratidão a quem pensa ainda em nós e oferece a sua ajuda, rogamos-lhe paciência até ao período eleitoral.

 Sem mais, a bem da Nação,

 O Ministro da Propaganda e dos Assuntos Sociais

Diz a Constança não entender que a Alemanha pretenda baixar a idade da reforma para os seus e exija, sem apelo nem agravo, o aumento para os outros.
Entre eles, nós, que olhamos o desejado descanso na velhice como a sombra no chão, quando o sol nos dá nas costas, ao sol-poente.

Mesmo esforçando-nos numa corrida, ela fica à frente, a fugir de nós, inalcançável.
Suponho que se trata de uma incompreensão retórica, digamos, da parte da única comentadora que vale a pena ouvir, porque é fina e não se vende.

Pois terá visto já, há muito, que a Merkel quer cumprir o velho sonho da Alemanha Imperial: dominação da Europa, se possível do mundo.
Sem um tiro, sem desgaste ou baixas entre alemães.

E vai conseguindo o que Hitler falhou, colaborada, assessorada prestimosamente, caninamente, por instituições europeias, que já domina, e governantes eleitos, com frequência, pelas próprias vítimas.
Está aqui, por certo, o porquê da última pirueta espectacular com o retorno à construção de infra-estruturas, estradas, vias férreas, portos, aeroportos.

Aqui começou, não sei se lembram, o nosso pavoroso endividamento, condenado, tempos depois, como despesismo, ainda que incitamento e dinheiro tenham vindo de fora.
A Alemanha quer ter, por fim, ao seu dispor, fontes de matérias-primas, recursos humanos pelo preço da chuva e sem direitos, transportes e escoamento rápidos, fáceis e rentáveis.

Assim acabaria, de vez, o esforço na procura do lucro em deslocalizações trabalhosas e incertas.

domingo, 2 de fevereiro de 2014


Caro senhor palrador
 
Sei que vendeu a alma ao diabo, comprometendo-se a observar rigorosamente o panglossismo e a defender por onde passa que este é o melhor dos mundos possíveis e não há alternativa.
 
Dir-lhe-ei, contudo, que carece de originalidade, pois, há muitos anos, andava o senhor de fraldas, ouvi isso ao grande pai da democracia, pouco depois de se ter contratualizado com o, então, embaixador americano Carlucci.
 
Mas, num rasgo optimista que, por vezes, me acontece, esperançado que seja capaz de rasgar contratos com os seus mandantes, ofereço-me a ciceroná-lo por uma casa de discos, onde podemos encontrar música ligeira de alguns anos atrás.
 
Como vê, nenhuma exigência de puxar pela cabeça e eu gostaria, apenas, que escutasse canções italianas ou francesas ou espanholas ou portuguesas desses tempos.
 
Certamente dar-se-á conta de que, nessa altura, sobravam, ainda, uns restos de gosto nacional e o mercado único anglo-americano tinha muito trabalho pela frente.
 
Há, sim, senhor, individualidade, personalidade, criatividade, variedade, riqueza.
 
Se não ficar convencido, trá-lo-ei a minha casa e verá amostras de filmes europeus de época, portugueses, espanhóis, franceses, italianos, polacos, checos, russos, etc.
 
Não tenho a menor dúvida de que se aperceberá da miséria mental a que chegámos.
 
No caso me consiga ainda aturar, falar-lhe-ei de Ary, Lorca, Éluard, Aragon, Vittorini, Ehrenburg...
 
Aqui, poderá objectar-me com Saramago, Lobo Antunes e outros.
 
A jogada é forte, concordo, e devo confessar que eu próprio não entendo o fenómeno, mas também lhe responderei que nenhum deles se sentia ou sente bem neste apodrecimento geral e isto falando, apenas, dos dois primeiros.
 
Já percebeu, agora, que o descalabro, além de económico e social, é também cultural e mental.
 
Fazendo votos que assim seja,
 
O com-patriota.

sábado, 1 de fevereiro de 2014


Enquanto os idiotas governaram um país idiotizado, julguei perceber: governantes e governados estavam em sintonia, reviam-se uns aos outros.
 
Quando os dirigentes se revelaram sádicos é que deixei de entender a submissão, que os espertalhões da hora denominam resiliência.
 
Sadismo que não se esconde, que já é doutrina, claramente exposta em câmaras de televisão que, na sua estupidez de máquina, registam, sem objecção nem revolta, exactamente como os homens, ditos inteligentes, que as controlam.
 
Sucede a qualquer momento, sucedeu com uma caritativa dama, que tem feito vida gorda com a miséria alheia e, há pouco, veio dizer-nos que não comêssemos bife, mas carapau de gato, comida presidencial.
 
Reforçando, surge, agora, o FMI, um dos agiotas que nos sugam, depois de corridos da América do Sul, declarar, preto no branco, que consumimos de mais.
 
Quererá fazer-nos crer, certamente, que, em Portugal, há alguns esbanjadores com duas refeições diárias.

Pergunta-se, com estupefacção:

- Onde está a nossa dignidade?
 
- Onde estão os que juraram defender-nos, com a própria vida, se necessário fosse?
 
- Tudo quanto dizem é missa cantada, gente que ainda pensa?
 
- Não é possível libertar-nos, finalmente, desta vileza?
 
Entretanto os magarefes vão afiando facas e esperam-nos no matadouro.
 
Como em Auschwitz.