segunda-feira, 31 de março de 2014


Em miúdo contaram-me histórias que viria, mais tarde, a ler nos livros da escola, com grande gosto meu, por serem amigas minhas desde há muito.
Todas portadoras de uma lição de moral, quando tal coisa existia, ajudavam-nos a crescer e a formular princípios.

A literatura, sem ressalva, tem sempre em vista o contrabando de ideias, que nos formatam e definem.
Mas, crescido, deixei de apreciar a abordagem indirecta, que, com mentirolas patetas ou inoculações peçonhentas, procura manipular-me, condicionar-me, sobretudo agora, numa fase da história em agonia, que usa a falsidade para adiar o fim.

É neste contexto que mais avulta “Os Cus de Judas”, obra amassada em dor e sofrimento, tão singular que não lhe encontro par, procure cá dentro ou, mesmo, lá fora.
Pena é que o autor não encontre uma causa que o exija por inteiro, entregando-se, muitas vezes, a um cepticismo deprimente, parecido a pose, ultrapassadíssima, de boémio romântico.

É, talvez, o preço, da sua origem social.

sábado, 29 de março de 2014


Vejo o Draghi que me mira por uma fisguinha do olho, de ar chocarreiro, e penso:
- O gajo está a gozar connosco.

E deve ser isso mesmo, porque, vítimas comprazidas, pagamos para que nos vexem, torturem e expoliem.
Masoquistas? Talvez.

Oiço a pesporreia viscosíssima de um tipo a que chamam Burroso e confirmo que continua movendo-se no dito pelo não dito. Então, pergunto:
- Como entender que paguemos a quem se orgulha em indrominar-nos?

Silêncio.
Depara-se-me um gimbrinhas belga, de espécie talvez humana, intitulado presidente de uma Europa em queda e a criatura põe-se a alinhavar meia dúzia de palavras. Eu duvido.

- Querem fazer crer que esta coisita manda?
Mande ou não mande é pago, com dinheiro nosso e, dia após dia, vamos ficando cada vez mais pobres, tantos são os chulos que temos de manter.

Olhe-se a baronesa, ministra europeia dos Esrangeiros, que, em voo célere, parte a acobertar nazis ucranianos, para vir, depois, chorar-nos no ombro uma justificação esfarrapada de que os setecentos milhões e biliões que se seguirão saiem-nos dos bolsos em defesa da liberdade, dela, não nossa.
Irão os povos, um dia, limpar as estrebarias de suas casas e reger os destinos de um mundo novo?

quinta-feira, 27 de março de 2014


Sendo uma formulação judiciosa, a de que mais vale tarde do que nunca, estou em vias de decidir-me por um doutoramento aos cem.
Não é que o mérito terreno valha muito para a entrada no paraíso, a que me candidato desde há anos.

E sei-o, sem qualquer dúvida, pois é a Bíblia que o diz:
- “Bem aventurados os pobres de espírito porque será deles o reino dos céus”.

Mas, contrariando a miséria actual do mundo, em ideias renovadoras, surgiu-me no cérebro uma, com fulgor inesperado, que traz explicação a muita coisa do chamado bicho humano.
Vinha estudando o mesmo, desde a mais tenra idade, e tanto me parecia animal, como vegetal e, por vezes, mineral.

Se tem frequentemente ferocidades de besta, logo se move por tropismos, acomodando-se ao sol do mando, para depois ficar inerte, embrutecido, parecendo-se com um pedregulho.
Pois ou me engano muito ou encontrei a chave para o enigma de mutações tão diversas.

Está, afinal, na alimentação omnívora, de que acaba por tirar especificidades próprias aos três ramos da natureza.
O homem é, pois, um tríbrido, não se confundindo com as mulas, que essas, sim, é que são cavalgaduras híbridas.

quarta-feira, 26 de março de 2014


Como, entre nós, a conciência de classe começa e finda no umbigo e as ideias se geram no estômago e intestinos, acreditámos, de pronto, que nos dariam dinheiro, só para concorrermos com eles, livre e desportivamente.
Inventáramos o capitalismo generoso, chegara a hora de enterrar o celerado Marx e a inventona de uma luta de classes, porque éramos uma só família e nos amávamos apaixonadamente.

A avidez por um mercado de centenas de milhões pusera fim ao bom-senso, obliterava-nos a razão, cegou-nos irremediavelmente.
Nada haveria de estranho, pois, na imposição do euro, no derrube das fronteiras, na abertura frenética de vias de comunicação.

Era o progresso em marcha.
Desregulação financeira, circulação de capitais, globalização?

Triunfava, finalmente, a liberdade!
Só que não era a nossa, era a deles, predadores.

Reticências ou dúvidas, nem pensar, que esperava-nos, ansioso, o pelotão da frente.
Abandonámos atrás a agricultura familiar, arrancámos montados, olivais e vinhas, houve curso irrestrito à plantação de eucaliptos.

E fechámos as minas, renunciámos ao mar, abatemos barcos, navios, companhias de navegação.
Em trejeitos obscenos e piscadelas de olho, procurámos seduzir o capital estrangeiro, assinámos contratos, pactuámos tratados e venderíamos a mãe, se alguma coisa valesse.

Caberia aos miúdos da casa encarregarem-se do resto, apedrejando as vidraças restantes, empochando o pouco que sobrasse.
Tudo em nome de uma Europa dos ricos, que ocultava a escravidão futura.

Da simpleza do mentecapto e da ganância do merceeiro, evoluímos para servidores solícitos, prostitutos que se prestarão a tudo.
Custasse o que custasse, o pequenote ia tornar-se grande, o pelintra acabaria rico, o bufão sem mérito encontraria aplausos.

Sobrenadava, da fundura do ser, o atávico complexo de inferioridade e a sequente megalomania do provincianismo bacoco.
Mas, caramba, acolher-nos-ia a surpresa do mundo, do universo, com o salto colossal do nada para o tudo.

Anos depois, o delírio termina em desespero e desgraça e, do sonho de há pouco, vai-nos ficar o país devastado, um endividamento impagável, a agiotagem instante, uma absoluta ausência de futuro.
Mas não percamos esperança, portugueses patriotas, façamos uma oração a Fátima por uma Europa sensata, esportulante, solidária.

Chulidária, no dizer de alguns e mais de acordo com uma etimologia provável.

terça-feira, 25 de março de 2014


Colaboracionistas, assinam em cruz, quanto lhes impõem lá fora.
Cá dentro, enfiam a soberania por baixo ou por cima da almofada em que se sentam, defendem a abjecção, gabam-se de um bom comportamento e da indignidade assumida.

A gente a pé é, no geral, cobarde, mas vê e, farta de albardas sobrepostas que prometem ser mais, viram-se, se encontram, para quem diz que, na terra onde se nasce, mandam nela os que lá nasceram.
Podem gritar-lhe que a Le Pen ou outra são fascistas, que, vindo o dito de quem vem, o alerta nem abala nem demove.

Mesmo porque, em fascismo larvar vivemos nós, entendendo-se por fascismo a exploração feroz dos que trabalham.
A parca tolerância, se ainda é, deve-se à contestação que, pacata, não assusta.

Espere-se o momento em que o desespero expluda e ver-se-á como a pseudo-democracia terminará.

Penso que a estratégia da grande banca difere muito, na Europa, da que levou a cabo noutros lugares do mundo.
O pagamento da dívida não é o objectivo em si, mas é-o a perpetuação da dívida.

Quem governa financeiramente o planeta aprendeu, com a experiência, que, solvida a dívida, os países escapam-se-lhe, espavoridos, e são grandes as dificuldades e excessivos os gastos para recuperar o controle, como é por de mais evidente em toda a América latina, muito particularmente na Venezuela.
Além disso, na Europa está uma boa parte do saber-fazer e há estruturas finamente produtivas, interligações de há muito, imbricações históricas e comerciais, promiscuidades políticas, que proporcionarão em casa o que, antes, se procurava fora.

Até porque, a dívida não deixará de ser paga e não uma, mas muitas vezes, já que juros, pauperização dos povos, retracções de todo o género irão impedir a superação do gravame, com novos endividamentos para amortização dos antigos.
A isto chama-se já a Nova Ordem mundial, inexpugnável, com as nações amarradas por tratados, abdicações, renúncias, novos endividamentos e encargos.

A famosíssima regra de oiro do orçamento, aceite, de imediato, pelos que se dizem socialistas, é a inscrição, para todo o sempre, no atraso e na miséria, por impossibilitar o investimento.
E, a tão bem recebida proposta de personalidades, nacionais e estrangeiras, da reestruturação da dívida, insistindo em manter-nos no euro, longe de ser uma ajuda aos países manietados, insere-se, perfeitamente, no projecto de dominação global dos que, no vértice da pirâmide capitalista, congeminaram e realizam o império de milénios que Adolf Hitler sonhou.

sábado, 22 de março de 2014


Defeito meu, certo e seguro, mas não sou masoquista.
Se me pisam berro, se me ofendem, protesto.

A quente ou a frio, faço por ser pessoa, não alimária que uma canalha monte.
Antes, alertei quem me ouviu, quando nos prometeram o maná dos céus, visando atrelar-nos à Europa dos agiotas.

Atravessei os tempos a acusar ocupantes e colaboracionistas.
Esperei que os que juraram, por sua honra, defender-nos, pusessem freio a um autoritarismo crescente.

Revolta-me a cobardia de todo um povo que tudo aceita e permanece, na maioria, quedo.
No afã de aproveitar os piores que a natureza dá, criam-se instituições que nos impõem miséria e uma vida sem futuro.

Já estão, agora, abrindo portas, e apaparicando, ao fascismo ucraniano, não tardando a exigir impostos redobrados para alimentar a malandragem de cá e de lá, mais os cachorros que a sórdida patuscada atrai.
E tudo me leva a crer que a gente que suportou meio século de indignidade se disponha a consentir outro meio século de semelhante abjecção.

Confirmar-se-á?

sexta-feira, 21 de março de 2014


Não se estranha que, a muita gente honesta, falte a lucidez de ver que testemunha o fim de uma sociedade moribunda.
Teima, por isso, em encontrar remédio ao que a natureza impõe: que o velho ceda o passo ao novo.

Milénios de inumanidade deram-nos, como natural, um homem devorar outro homem, apossando-se do que aos dois pertence.
A pulsão animal, tão forte em nós, ainda, fecha-nos a inteligência à perspectiva de uma organização diferente, em que a realidade seja o respeito mútuo e a sociedade se reconheça humana.

Mas percebamos ou não, queiramos ou não, a evolução não pára e uns facilitarão o passo, outros hão-de tentar agarrar-se aos destroços do naufrágio.
Esta é a distinção entre a esquerda verdadeira e a direita assumida ou encapotada.

terça-feira, 18 de março de 2014


Tirando um pequenino idiota, acintosamente de direita e ar de puto fanfarrão a esforçar-se por dar nas vistas, não vi ainda quem enfileire no bombardeio diário com a miséria e desgraça da Venezuela.
Não tenho em conta, evidentemente, os psitácicos apresentadores, ou lá o que dizem ser, que esses não são comentadores nem coisa nenhuma, limitando-se a obedecer ao dono, abjectamente, como um empregadote que se gaba de enganar o cliente para ganhar sorrisos do patrão e evitar o despedimento.

O tal, já referido, é comentarista encartado, expedito em julgamento breve, certeiro, irrevogável: falência do sistema.
Não acrescentaram nada os demais participantes do painel e, ilusão minha, talvez, pareceu-me ter visto indulgência no olhar, perante ou a travessura do puto ou a menoridade mental da criatura.

Mas o aparente desinteresse dos analistas, quando tanto ódio se ateia contra a América Latina progressista, é motivo, de facto, para estranheza, tanto mais que nada chega de informação contrastada, objectiva, honesta.
Será o pressentimento de que a histeria tem razões que a moral desconhece e só a gula incontida pelas reservas de petróleo explica a algazarra maldosa?

Se é este o caso, permita-se-me que os conforte nas vossas e nossas dúvidas com meia dúzia de dados:
            - a UNESCO certificou que o analfabetismo está erradicado;

            - a educação é gratuita e oferece-se, a cada um dos alunos, computador e acesso à Internet, o que a UNESCO premiou;
            - na sondagem recente de GIS XXI, 79% dos jovens entre os 14 e os 24 anos estão a estudar e 67% em instituições públicas gratuitas;

            - 73% deles consideram melhor forma de organização social a democracia participativa bolivariana;
            - 60% prefere o sistema económico socialista ao sistema capitalista;

            - a FAO reconhece, em 2013, que a fatalidade da fome terminou;
            - numa década, apenas, a pobreza recuou 30 pontos e é, agora, o país da América Latina capitalista com menor desigualdade social;

            - o Guinnes World Book Records 2008 dá a Venezuela como o país mais feliz do mundo;
            - uma sondagem Gallup 2010 coloca-a no quinto lugar das nações mais prósperas do planeta.

            - o Happy Planet Index atribui-lhe, em 2010, um índice de 7,5 de bem-estar real, numa escala de 10, a par da Suíça e uma décima abaixo da Noruega.
Tudo leva a crer, portanto, que, da verdade internacionalmente reconhecida à mentira internacionalmente propalada, vai a colossal distância de um capitalismo predador e sempre ávido, que ressuma fel e raiva quando vê um povo a caminho da dignidade.

 

Expliquem-me, por favor, o que é democracia, que eu cá não sei que seja e, à medida que o tempo passa, mais baralhado estou.
Continuam a dizer e a repetir que o povo é soberano, tendo sempre razão, como prova a história com a eleição de Hitler e o presente demonstra, elegendo vendedores de programas miríficos, que, uma vez no poleiro, dão o dito por não dito, em legitimidade inquestionavelmente democrática.

Se se enganam nos cálculos e os resultados não agradam, surgem comandos mercenários, que semeiam destruição e morte, acirram a escumalha, provocam a escassez, põem em sobressalto os burguesóides assustadiços (Venezuela).
Há, também, o recurso aos golpes parlamentares (Paraguai) ou militares (Chile), estrangulamentos económicos (Cuba), invasões despudoradas (Jamaica).

São estas amostras do que se faz às claras porque há manejos, na sombra, de traição, diplomatas do rancor, dinheiro às bateladas, corrupção de governos, arregimentação de interesses.
Recentíssimo exemplo, o canalha socialista, que dá pelo nome de Hollande.

E vão ao ponto de impor os seus criados no mando, captando e chantageando a União Europeia, que passou a ser deles.
Na previsão de que algo corra mal, o sempre louvado referendo popular já não é democrático (Crimeia), podendo ser (Kosovo).

Em suma, a resultado favorável, temos sim, se o resultado é contrário, temos não.
Abençoada esta democracia de opereta, cada vez mais vesga, para que continue a predação, no melhor dos mundos possíveis.

Assim decretava Soares, em seus tempos áureos.

segunda-feira, 17 de março de 2014


Quanto mais perto da condição animal, maior é o temor do homem ao visível e ao invisível, ambos povoados de incertezas e perigos que, em fúria súbita, se abatem sobre nós.
O Deus do Antigo Testamento, por exemplo, é a mitificação desses medos, excedida em crueldade, vingança, condenações eternas, que um Satanás sempre presente potencia.

Assim se vê o mundo o homem primitivo de ontem ou de hoje, considerando-se objecto, nunca sujeito.
É uma criança que teme a sombra, o ramalhar das árvores, qualquer som indescernível ou sinal indecifrável.

E, se há coisa que o assuste, é o longe, a distância, o desconhecido.
Os deuses, por isso, habitam sempre lugares inalcançáveis.

Mais perto, poder-se-ia perceber-lhes os contornos, definir-lhes a natureza real, desmascará-los, mesmo.
Está em curso, pois, toda uma operação de afastamento das resoluções, o que nos afecta a vida, situando em Bruxelas o que antes estava à mão, para aceitarmos a impossibilidade de luta e curvarmo-nos à omnipotência de um poder inelutável.

É o dobre a finados dos assomos actuais de democracia representativa, é a institucionalização de uma escravidão para sempre.
Vai-se transferindo para o real o que tem mantido vivas as religiões.

domingo, 16 de março de 2014


É difícil conceber uma tão grande desonestidade profissional, tão despudorada falta de carácter.
Está, na Venezuela, um enviado especial da televisão, pago por todos nós, para que tenhamos, julgo, informação objectiva.

Ouvi-o no dia 15 deste mês de Março.
Nas palavras dele, andava por bairros da capital, onde a cada esquina espreita um perigo de morte certa.

Curiosamente, toda a sua escolta era uma loirinha nova, a servia-lhe de guia.
A dada altura, abordou uma dama que surgiu de algures e disse o muito que o país sofria, onde um governo malvado, para aterrorizar os manifestantes pacíficos (!!), criara comandos para-militares, fortemente armados, que abatiam qualquer um da oposição.

Imaginem que ele, jornalista estrangeiro, deslocava-se por ali com um cartão de livre trânsito, que julgo ser sempre obrigatório, mas obtido, de certeza, por milagre.
Dos assassinos à solta, não lobriguei nem sombra e grande foi o azar porque em todo o tempo que falou, ninguém o interpelou, ninguém o atacou, ninguém o capou, quase com pena minha.

Nesta excepção de sossego e liberdade de acção, terminou a excelente reportagem.
No exacto dia, em que Telesur, testemunhava uma gigantesca manifestação cívico-militar, com gente à paisana, fardada, homens e mulheres, jovens e velhos, que, nos microfones à disposição, acusavam as petrolíferas estrangeiras de fomentar a desordem, a destruição, a penúria, a especulação, numa gula voraz pelas reservas venezuelanas.

E, em vez de ódio, diziam do seu desejo de amor e paz, prosseguindo na senda da revolução bolivariana, que já lhes proporcionara educação, saúde, aumento de salários, reforma para todos, resultados no combate ao atraso e à pobreza, que a UNESCO reconhece e enaltece e o reaccionarismo internacional esconde.
Ouvi eu uma mulher-soldado afirmar, comovida, o que julgava óbvio, mas na Europa não é; as forças armadas existem para defender o povo e não quem se crê senhor do povo.

O pulha, cujo nome desconheço, nada viu nem ouviu, dobrado à baixeza de quem o manda.
Morra a alma e salve-se a bolsa – é a ética que o norteia.

sexta-feira, 14 de março de 2014


Estava enganada ou não a direita, em disfarce democrata-cristã, social-democrata ou socialista, quando embandeirou em arco, com a entrada no euro, berrando, alto, sermos finalmente europeus, nós, que nunca me constou havermos pertencido à África ou a um outro continente que não fosse o europeu.
Esses apologistas de então lembrar-se-ão, ainda, de um tal Carvalhas, economista, ter alertado para a supina estupidez de juntar dois potes, um de ferro, outro de barro.

O tipo, é certo, era um perigoso comunista, que falava por cassete, ave agoirenta a comprazer-se em predizer desgraças.
Que dirão, agora, tão ilustres cérebros em busca de uma desculpa que os credibilize? Engano, desvio, mau humor dos deuses, mas, ao cabo e ao rabo, firmes na inabalável fé de a crise estar a chegar ao fim, ainda que palhaços de serviço afirmem, despudoradamente, só restar a miséria, perspectivada por vinte anos, a prolongar por mais vinte, pois outras crises se avizinham.

Duas perguntinhas, ainda.
Quando se disse há meses que havia que reestruturar a dívida, em termos justos, pagando o justo, juros e prazos comportáveis, políticos de parvónia e assessores comentaristas não clamaram heresia?

Terão outra solução?
Não é verdade, também, que quem fala em prevenir a saída do euro dos agiotas, forçada ou por vontade própria, é taxado de derrotista, ignorante ou louco?

Pois quê! Sentem-se com as costas quentes, sob o pálio dos predadores de dentro e de fora, que lhes cozinham os votos estupidamente inertes e pensam que esconjurarão males, pondo no pelourinho da praça quem lhes aponta miopia ou má-fé e fala, maçadoramente, em dignidade, soberania e progresso.
É que, para os lacaios de sempre, só a escravidão é futuro.

quinta-feira, 13 de março de 2014

A FAUNA E A FLORA
 
Quem me dera rins flexíveis e muita agilidade de modo a poder saltar para o outro lado da linha ideológica que separa o arco da governação do espaço de governados expoliados.
 
Teria à minha roda gente fina, cordata, educada, frequentaria meios recomendáveis, e não pelintras, sentar-me-ia, confortavelmente, ora nas bancadas da Assembleia ora nas poltronas de Administrações ou Fundações, a expandir o que me brota do cérebro ou flui do meu coração muito filantrópico.
 
Onde me encontro lobrigo apenas miséria e desgraça, enquanto que, passada a linha, os céus são cor-de-rosa e a paisagem verdejante.
 
Ele são oliveiras altas, frondosíssimas, a cobrir facilmente qualquer obra de alvenaria e enchem, até mais não, as arcas da economia própria, nogueiras largas que não dão nozes, é certo, mas facilitam o seu acesso, pereiras tantas que formam florestas, carvalhos gigantescos que cobrem tudo o que à volta houver, soutos, muitos, de loureiros banhados numa aura celeste e silvas tão pouco espinhosas que já se encontram a decorar os bancos.
 
E a fauna, meu Deus, espantosamente exótica, como jamais se viu: coelhos de muitas raças, que vencem os castores em obras de construção, outros tão bravos que, em vez de caçados, são caçadores, lobos mansinhos que mamam em toda a teta, cordeiros sentados nos bancos, cobrando entradas, e grilos, sardinhas, passarinhos, estes pipilando em fios eléctricos, aqueles e aquelas proliferando no desenvolvimento da terra, ar e mar.
 
Previno quem me leia que a minha descrição é pálida, anémica, comparada à realidade deste país de sonho, a lembrar-me um jogo televisivo, popular em França, da descoberta do tesouro, depois de passos decisivos e portas ultrapassadas.
 
Se também tiver desejo de o ver e desfrutar, aconselho uma preparação prévia com leitura de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll e Os Privilegiados, de Gustavo Sampaio.

quarta-feira, 12 de março de 2014


O de Santa Comba, dizia-se em anedota que, ao cair da tripeça, ainda rosnava num país deserto:
- Matei-os a todos, mas salvei Portugal.

Este vem do cu de Judas, com mentalidade de negreiro, e quer que a anedota se torne realidade.
Um dos seus sabujos, para agradar ao dono, adiantou-se no discurso, afirmando, inteligentemente (!!!):

- Os portugueses estão pior, mas o país está melhor.
Na cebecita deste chico-espinhoso, negro de nome e de índole, deve habitar a ideia peregrina de que há um Portugal sem portugueses, como já há portugueses sem Portugal, porque o país que era nosso foi sequestrado e vendido.

O mais preocupante, porém, é que a criatura disse, em forma sucinta, o que se ouve, frequentemente, na boca de muitos outros, com variantes mais ou menos idiotas, no intuito de fazerem de nós todos cegos e parvos.
Chama-se a isto projecção, em psicologia, mas, além disso, há que acrescentar má-fé e desonestidade.

terça-feira, 11 de março de 2014


Pergunto-me, por vezes, se estou, de facto, no meu juízo perfeito.
Porque louco é sinónimo de anormal e, se há alguém em discordância permanente com o que é normal ouvir-se e ver-se, sou eu.

Não bastando o que por aqui se passa, chega-me um Burroso, por via televisiva, que afirma prazenteiramente o que ainda ontem negava.
Pois continua lá, de pedra e cal, parece, e, acabando o mandato, espera-o um lugar muito naturalmente de igual mérito (!!), ainda mais honroso e proveitoso do que o de agora, tudo, tudo à nossa custa.

Foi, há anos atrás, um formidável ultra-revolucionário, sendo nos tempos de hoje um grato serventuário e defensor acérrimo dos que antes combatia.
Interrogado, em certa altura, sobre a evidentíssima abandalhação, arrancou das enxúndias que lhe vêm da juventude:

- Só quem é burro não muda de ideias.
Razão prontamente aceite pelo entrevistador, pois nem sequer respondeu que é burro quem não muda de ideias, mas é canalha quem trai os ideais que defendeu

Como este espécime, infestam-nos de muitos lados bandalhos do género, a exibirem-se, impantes em poltronas ministeriais (Crato), administrações privadas (Coelho), respeitáveis cátedras (Barreto).
E julgo ser eu um de alguns poucos com ataques de urticária, quando nos obrigam a tolerá-los no comando das nossas vidas.

Outro tanto me acontece, face a grandes sumidades, ou como tal apresentadas, que reconhecem o que qualquer criança conclui: ao ponto a que o país chegou, nem daqui a vinte anos levantaremos a cabeça.
Mas acrescentam, pressurosos:

- Não há alternativa!
Axioma que de imediato se repercute no psitacismo acrítico de jornalistas, comentaristas, analistas, conferencistas, publicistas, ensaístas, os variadíssimos istas, encartados, diplomados, licenciados, mestrados, doutorados, com títulos e subserviência mental que oferecem a quem mais paga e os prostitui.

Mas tudo isto é normal, diz-se, o anormal sou eu

domingo, 9 de março de 2014


Ficámos tão deslumbrados com a possibilidade de pôr baias ao despotismo de um rei, que não vimos, conter a solução, na sua própria raíz, uma enorme perversão.
Dado que não era viável irmos todos, ao monte, fiscalizar as decisões reais, decidimos designar uns poucos que representassem os restantes.

E estes não tardaram muito a navegar em águas turvas e malsãs, requerendo títulos e benesses, fundindo-se com a nobreza, ganhando-lhe os gostos, vícios e prosápia.
Mais tarde, veio-lhes à mente uma ideia abençoada, a de que notoriedade e poder poderiam multiplicar-se por mil, se alargassem o voto a todos os dependentes seus, por amiguismo, benefícios ou cunhas, enfim, corrupção.

Surge, então, o caciquismo, institucionalizando-se numa rede tão densa de interesses interligados, que dá para uma vida inteira e sobra, ainda, para os filhos, que irão continuar a obra.
É lícito concluir que o direito sucessório, inventado pela monarquia, veio a ser concedido aos mandachuvas locais, reforçando-lhes privilégios e criação de classe parasitária que, hoje, descaradamente, transita da administração pública para a privada e vice-versa, numa ascensão imparável de poderio e bons proventos.

Não é estranhar, portanto, que sejam eles os defensores raivosos do sistema, gritando democracia, ao mesmo tempo que mentem, corrompem, num esforço de perpetuar situação tâo pingue, decretando, por isso, que a história chegou ao fim e não há alternativa e este é o melhor dos mundos.
Devagar, qualquer um vai acabando por convencer-se que vota para ser traído, que ele não conta para nada, a não ser o aumento, dia após dia, da podridão e imoralidade.

Mesmo nas cabeças duras, já começa a vislumbrar-se que o regime parlamentar é coisa para lamentar e que os deputados eleitos não são mais que de putedo.

 

sábado, 8 de março de 2014


Lembro-me, demasiado bem, da falação a que assisti há anos, numa prestigiada universidade francesa, em vésperas do golpe de estado contra Salvador Allende.
Chovia, na altura, a propaganda raivosa, o boicote económico ia crescendo, os patrões dos transportes paralisavam o país, as donas de casa burguesinhas saiam à rua em marcha de caçarolas, a ingerência americana, evidente na embaixada e ITT, era ostensiva, para não dizer obscena.

Creio que há quem se lembre, ainda, do que a seguir aconteceu: ditadura do Pinochet, a crueldade arripiante dos estádios de concentração, a caça ao homem de casa em casa, as torturas e assassinatos numa dominação de terror, o roubo de crianças aos pais, o apoio despudorado americano, com remessa de carradas de dinheiro e a ajuda de sábios, de que destacarei Hayek e Milton, prémios Nobel da economia, que, mesmo mortos, são actuais mentores dos nossos governos neoliberais.
E tudo porquê?

Porque Allende, socialista de um socialismo honesto, queria fazer voltar ao povo o que ao povo pertencia.
Pois o senhor conferenciante de que falo, especialista em língua, cultura e civilização da América Latina, trazia para mostrar, da viagem de estudo que por lá realizara, zonas imensas de imenso guano, ele e sua esposa, ambos alcandorados em rochas de grande altura, desfiles populares que considerava folclóricos e muitas outras ilustrações do género.

Foi tamanha a náusea que me deu para barafustar, coisa nada adequada a tão nobre e erudito sítio.
Qual é a razão que me retorna ao passado?

É ter ouvido, em emissão televisiva, um comentador político que, ao assistir à repetição da tragédia, nos dias de hoje, agora, na Venezuela, remata a análise do momento com a conclusão brilhante, apesar da colossal derrota nas eleições municipais, de que o chavismo falhou, como seria de esperar de um regime anti-democrático e autoritário.
Desconhece, mas que importa, a notória regressão da pobreza, os progressos na saúde e na educação para todos, o aumento de salários dos mais pobres, a instituição de uma pensão de reforma a quem não tinha, o esforço continuado na consolidação de uma autêntica democracia participativa.

São estes factos reconhecidos e atestados por organizações e observadores internacionais, entre os quais posso destacar a UNESCO.
Mas o senhor comentador não hesitou na bacorada, com a cara de parvo que lhe é habitual e a correlativa impância do seu ego e da sua auto-satisfação.

Tem por si, é certo, o não ser professor universitário, embora o pudesse ser, dado o tanto à-vontade com que se expande sobre diferentes temas.
Foi, contudo, encartado pela Universidade Nova, é co-fundador de uma revista de turismo duvidoso, com bares gay e quejandos, colunista bem pago de variados jornais, fazedor de opinião, com chorudos proventos que lhe permitem sustentar a numerosa filharada, seu gosto e orgulho, frequentemente apregoados

Esta é, pois, a informação que temos, com uma miríade de papagaios a repetir, sem qualquer contestação, o que a Reuters quer que se diga.

quarta-feira, 5 de março de 2014


Se ninguém foge a confessar-se amante fervoroso desta nossa democracia, é caso para perguntar quais são os encantos de uma prostituta que muda de mãos de quatro em quatro anos.
Sobretudo ao confrontarmos as obras de hoje com as palavras de ontem dos seus apaixonados defensores.

Salta, também, à vista, que a alternância periódica, dita para todos, está, afinal, confinada a poucos, que, por estranha fatalidade, são sempre os mesmos, com posições que não diferem muito.
E o pobrezinho a pé, aquele a quem se mete um papelucho na mão, a grande maioria, pois, continua esperando e desesperando por benefícios que serão adiados ad aeternum.

-Enganaram-me! – clama o desgraçado, sem reconhecer que houve tempo, já,  para aprender.
Em vez disso, vai preparar-se para votar nos outros, que se dizem melhores e são, na realidade, são tão maus ou piores, como anverso e reverso de uma moeda falsa.

Perguntar-se-á: por que é que não se viram eles para aqueles que não puderam, ainda, demonstrar quem são e quanto valem?
Aqui surge a explicação cabal da gula pelos meios de comunicação, por parte dos poderosos, que, aparentemente, se arriscam a prejuízos económicos.

É que são eles, por via da criadagem, os formatadores de mentes, os controladores do pensamento, os fazedores da opinião, particularissimamente, com uma televisão que entra em todas as casas, nos lugares mais recônditos, para acompanhar o incauto do berço à sepultura.
Graças a quem os serve e ladra e morde a quem se opõe, vão açambarcando a governação, com ministros e deputados que, a troco de favores em poltronas de administração, lhes votam legislação favorável, tribunais complacentes, polícias que os defendem, evasões fiscais, privilégios, benesses, a continuidade, enfim, da dominação pura e simples do país ou países que abocanharam.

Os lucros seguem de vento em popa, as fortunas multiplicam-se, vendem-se, como milho barato, carros e vivendas de luxo, ao tempo em que se insiste na crise e na austeridade, exigindo miséria e sacrifícios que nunca mais acabam.
Os seus homens de mão, entretanto, estão dilapidando o Estado, vendendo os bens públicos, empochando comissões, agrilhoando o país ao cepo dos tratados internacionais.

O que se vem chamando democracia é, na realidade, cleptocracia.
A verdadeira, aquela por que aspiramos, em que haja exercido, de facto, como lhe diz o étimo, pelo povo, essa é e continua sendo uma pura utopia.

Ou por outras palavras: encontramo-nos, ainda, na irracionalidade, permanecemos, ainda, na pré-história do homem que seremos um dia. 

Antes de me polir na universidade Lusíada, ouviam-me dizer uma expressão soez:
- Paga e não bufes!

Plasticizado e dúctil, sigo, agora, o ensinamento dos meus educados educadores, que, governando, insistem, pedagogicamente:
- Passa-me a carteira e cala-te!

E, se mostro assomo de hesitação, acrescentam de pronto:
- Não há alternativa!

O que me aflije bastante é ser muito esquecido e não conseguir, ainda,  automatizar a resposta, num gesto rápido em despojar-me do que me resta.

terça-feira, 4 de março de 2014


Pouco importa que sejam sérios ou corruptos, os governos.
Interessa, sim, que alinhem todos por um só pólo financeiro de governação mundial.

Onde isso não aconteça, mobiliza-se uma oposição raivosa, que traga instabilidade, destruição e carências.
Julgam, com acerto, os que estão aos comandos, que os povos, mais tarde ou mais cedo, acabarão por ceder, cansados de uma erosão diária.

Em estados moles, bastará servirem-se das farsas electivas que os seus meios de comunicação e apaniguados farão ganhar por lacaios apresentados como inteligências reformadoras e salvadores da pátria.
Para estados mais reticentes, explorarão diferenças históricas, culturais ou étnicas, virando uns contra os outros, ainda que degenere em guerra ou matança nacional.

Os mais adversos, que procuravam justiça e uma sociedade verdadeiramente racional, ver-se-ão confrontados com grupos municiados e muito bem organizados, que sairão de sectores que comiam um pouco e vêem o seu pequeno privilégio alargado a quem sempre encararam como criados.
Um caso se conhece, simplesmente espantoso: um presidente bispo, que pensava, agora, serem os direitos para todos, foi apeado com recurso à figura jurídica americana do “impeachment”.

É de esperar, sem dúvida, muitos outros achados inovadores, porque a voracidade capitalista e a inventiva dispõem de abundantes recursos e bons técnicos, muito conhecedores das taras e frustrações humanas.

segunda-feira, 3 de março de 2014


Caso alguém duvide da existência de um outro mundo, enfronhe-se na abundante cinematografia americana.
Passe depois, ou em simultâneo, ao acervo milenário da inspirada igreja, em milagres, revelações e outras coisas esotéricas, tesouro acumulado desde que o pai Adão e a mãe Eva tinham por norma andar de parra.

Ficará, então, a saber que este ramo do saber é mais rico, ainda, que os encontros extraterrestres ou as manifestações espíritas.
E não se deixe abater pela enormidade da tarefa: muna-se previamente de um curso propedêutico ministrado pela conhecida professora Maria Aníbal.

Se seguir à risca quanto lhe é sugerido, garante-se um entendimento rápido do colossal milagre económico do presente, ficando habilitado a rebater todas as objecções idiotas dos muito incrédulos que por aí pululam

domingo, 2 de março de 2014


Respeito Cristo, como respeitaria, se lhe conhecesse o nome, o primeiro homem a rebelar-se contra a injustiça e a opressão.
Há pessoas, até, que vêem nele o filho dilecto de um Deus que, lá de cima, vigia e regista os mais pequenos deslizes de todos nós, os mortais.

Pois são essas mesmas pessoas que não hesitam em mentir, roubar, matar se necessário for.
Pensarão, de certo, que as duas benzeduras do cura da paróquia chegarão e bastam para os lavar do crime e assegurar-lhes a bem-aventurança eterna.

O trágico é que a cândida estupidez das eleições tem-lhes dado e continuará a dar poder e impunidade para toda a sua malvadez.
O resultado é um só: a economia destruída, o povo escravizado, um país em desespero e sem futuro.

“Esperemos para ver!” – parece ser a palavra de ordem, dos muito cobardes que por aqui vicejam.
Mas ver o quê?

sábado, 1 de março de 2014


Dão que pensar os tempos de hoje e eis a razão por que me meto por terrenos que não são os meus.
É que me parece ver alguns rasgos familiares entre o agora e a queda do Império Romano.

Provam-no o não vermos a degradação do que ainda se chama expressão artística, o anunciado fim da História, a insistência em que não há alternativa.
Felizmente, não creio que tenhamos que esperar mil anos, como antes, para refazer a confiança no homem, a centralidade no homem, a afirmação do homem.

Dos lados da América do Sul, chega-nos, a quem queira ouvir, vozes que persistem em dizer que os amanhãs têm de cantar.
O ódio que se lhes vota na desisformação, no ataque, no denegrimento, confirma que mesmo os inimigos já escutaram.

Agora, contudo, na Europa apatetada, olhamos estupidamente os que nos agrilhoam os pés, nos roubam a dignidade, nos condenam à servidão.
Despertaremos um dia, sem dúvida, mas quando?