sexta-feira, 31 de janeiro de 2014


Incompreensivelmente, a Europa dos direitos humanos e idênticas tretas nunca realizadas, está ficando vítima das suas bazófias de nobreza, permitindo ser avassalada por uma cultura de aventureiros pistoleiros que começaram por dizimar todo um continente e, depois, graças ao poder que lhes veio de guerras fora do país, que as guerras deles são sempre exportadas, acabaram por impor a ideia da competitividade feroz, nova designação da lei da selva ou do Far West.

Aproveitando a oportunidade, os mesmos que sempre têm vivido à custa alheia apontaram, de imediato, um alinhamento com países que, cansados do nosso parasitismo, negaram-se à albarda, mas estão ganhando crescente força.

São eles os países emergentes.

E os patrões de cá, não querendo entender que os outros crescem e nós definharemos, o que vai acarretar, felizmente, grandes dissabores, esses patrões cegaram à vista do possível maná, reduzindo custos do trabalho, encargos sociais, evitando as atribulações funcionais e financeiras das deslocalizações.

Para consecução do objectivo, valeram-se, naturalmente, da imbecilização e abandalhamento que vêm promovendo de há bons anos até hoje.

 Sem dúvida, houve, há e haverá resistências de uns tantos chatos, ciosos da sua dignidade, mas facilmente diluidos no voto alienado da estupidez geral e neutralizados na impossibilidade de acesso aos meios de comunicação.

 A par e em resultado, está florescendo a política canalha dos videirinhos sem escrúpulos, dos loucos perigosos que não recuariam em vender a mãe a troco de importância e dinheiro.

Estaremos nós a assistir ao declinar e morte, documentados na história, de mais uma civilização que, não sabendo renovar-se, foi mirrando, mirrando e acabou por desaparecer?

 Será que, embrutecidos por supostos pergaminhos, continuaremos a fechar os olhos ao que fazem os antigos servos na procura de novos caminhos, da sua dignidade perdida?

 Iremos ouvir, num psitacismo idiota, mesmo face ao apodrecimento imparável,  “não há alternativa?”

 

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014


Apareceu, certa vez, no céu estrelado do saber português, um professor notável, de economia, que creio continuar a ensinar, aconselhar, assessorar, guruizar bancos e empresas, nacionais e estrangeiras.
Foi um cometa fulgurante de passagem efémera, felizmente, pelo ministério da Economia ou das Finanças, uma coisa dessas, antes de ser irresistivelmente atraído pelos vastos espaços mais rendosos.

Não me é possível precisar o nome, que eles são tantos, os que, depois de estágios governamentais, passam às galáxias financeiras, que já lhes perdi o conto e o nome.
Mas, no breve tempo em que se avistou da terra, seguindo uma rota bem calculada, desenvolveu, no reinado de Cavaco e em conluio com ele, o inteligentíssimo plano de suprimir o chamado sector primário – agricultura, pescas e minas -, para pôr toda a força do génio português na sofisticada produção de ponta e descobertas científicas.

Esta linha de pensamento teve ecos entusiasmados e muitos seguidores nas décadas seguintes, vigorando, ainda, com o filósofo Sócrates, o de cá, não de lá.
Terminou o arroubo com a escola dos eleatas passistas, que, esses, preferiram-lhe a máxima lapidar de ler, escrever e contar de outro grande economista, o de Santa Comba.

Com toda a razão, digo eu, pois é quanto basta a quem a sorte negou um bafejo e está condenado a ser esfolado uma vida inteira.
Pois calhou, ao cometa errante, ser um dia entrevistado, numa altura em que entrevistadores, comentadores e analistas eram poucos, mas sabiam o que diziam e de que falavam.

E não é que o sábio foi apanhado num erro monumental do orçamento, creio!
Nada que lhe desmanchasse a compostura, pois, com todo o desplante e sem franzir a pobre cara que Deus lhe deu, replicou que quatro milhões ou quatrocentos é tudo igual ao litro.

Não são estas as palavras exactas, mas a ideia aqui fica e os arquivos da TV conservam, por certo, este momento grande da nossa história.
Quem visse um pouquinho além, então, do dia, poderia ter previsto que teríamos, mais tarde, uma onda avassaladora de grandes financistas e um progresso tão meteórico na economia e adjacências que está conseguindo embasbacar o mundo e arredores.

 

quarta-feira, 29 de janeiro de 2014


Um diabo das Finanças, algures, não sei bem onde, recebeu uns milhares de luvas e tem agora a polícia à porta.
Assim me informou um papagaio do alto do poleiro televisivo.

Só poderei louvar este denodado empenho em defesa da seriedade moral e espero que os tribunais actuem com toda a severidade, como aconteceu ao desgraçado que, por roubar um chocolate, creio, apanhou nada mais nada menos que dois anos de prisão, demonstrando-se, assim, que a justiça não é irremediavelmente cega.
Penso, contudo, que é vesga, pois, que eu saiba, se há pouquíssimos exemplos dos corrompidos punidos, nunca me foi dado ver os corruptores em talas.

Não pretendo dizer que nego o meu aplauso à actuação citada. Pelo contrário, a minha anuência é total, porque, se há coisa que detesto, é a estupidez traduzida no roubo de uns euros, ainda que  uns milhares.
É certo que nem toda a gente está em condição de capitanear negócios de material de guerra ou privatizações ou concessões sumarentas.

Mas quem enveredar pelo caminho da desonestidade que faça, ao menos, o esforço de apanhar milhões e muitos, se possível.
É que o pouquinho não garante impunidade e desonra a profissão.

segunda-feira, 27 de janeiro de 2014


Como não sou nem mais estúpido nem menos estúpido que os outros, vou criar um partido à medida do meu pé e, calçando eu o número quarenta, chamar-lhe-ei PARTIDO 40.
Penso que será bastante inclusivo, porque quem tiver um pé mais pequeno cabe perfeitamente no número que eu calço e aquele que tiver umas patas maiores, com algum jeitinho, há-de ajustar-se àquilo que proponho.

Estou convencido que vou ter um enorme sucesso, pois esta gente, por preconceito ou torpor cerebral, não consegue vencer a doença e fortalecer o único partido que, desde sempre, tem mostrado coerência, defendeu e defenderá, com a vida, se necessário, a classe trabalhadora e até tem propostas, razoáveis, de acabar com as negociatas e ladroeiras na saúde, na educação, bem-estar presente e futuro.
E eu aproveito a actual maré, para capitalizar a meu favor os que andam à deriva e podem, muito bem, proporcionar-me um lugarzinho no Parlamento Europeu, que dizem ser bem remunerado, à custa do parolo.

INTRODUÇÃO

Agradecendo, de antemão, que me corrijam, quando me engano ou esqueço facto relevante, creio oportuno recordar um pouquinho da nossa história recente.

 
CAPÍTULO I

Tido por vitorioso o levantamento de Abril, atravessou a fronteira, açodado, um senhor que acabara de fundar, na Alemanha e com dinheiros alemães, mais um dos muitos partidos socialistas que, com palavras apetecíveis ao ouvido e alguns rebuçadinhos, têm por missão aquietar um povo zangado, capitalizar os votos dos muitos crédulos e gerir, posteriormente, os negócios da casa, observando a formulação de Lampedusa, que é preciso mudar alguma coisa para que tudo continue na mesma.
O quê?

A perpetuação de um sistema onde se enaltece a livre iniciativa, o génio empreendedor, a empresa criadora única de riqueza, os gestores multiplicadores de lucros, etc., etc., e, causa, efeito e objectivo de tudo, o direito a deitar a mão ao que outros produzam, condescendendo-se, sim, em que possam receber o necessário para se manterem em pé e continuarem a produzir.
Esta justíssima repartição tem permitido, através dos tempos, que uma mão-cheia, apenas, goze todos os prazeres na terra e, mais tarde, no céu, já que lhes está assegurado, à hora da morte, um santo padre a absolvê-los dos seus pecados.

Nem tanto era preciso, já que Monsenhor Escrivá, fundador da Opus Dei, beatificado e a caminho da santidade, numa inspiração divina, considerou esses poucos os eleitos de Deus.
Como sistema bem pensado, acrescenta-se uma válvula de escape: o nobre e sagrado direito de dizer mal de qualquer um, desde que não se ponham em causa o bom nome, a honra, a dignidade, etc., etc., isto é, a impunidade de quem manda e rouba.

 
CAPÍTULO II

Entrado no país, o excelente senhor, acarinhado e louvado fora, para que encarnasse, ele e só ele, a oposição ao fascismo, trazia, por missão, confundir e dividir os capitães, proclamar a reconciliação nacional, quebrar a unidade dos trabalhadores, arrefecer as excessivas alegrias da rua e, juntando os pedacinhos dispersos do reaccionarismo, embrulhou tudo bem embrulhado, tal como dizia o puríssimo cristão Francisco Franco, referindo-se ao que legava à Espanha: está atado e bem atado.
Incansável, o “pai da democracia”, como depois se disse, apareceu em jornais, rádios, televisão, comícios, manifestações, em defesa da liberdade de opinião, de reunião, de associação, etc., etc., diabolizando os comunistas satânicos, defensores, imagine-se, da terra a quem a trabalha, dos trabalhadores gerindo os grandes meios de produção, da educação e da saúde gratuitas, para todos.

E criou-se uma UGT que, pingue de recursos, serviu para atear fogos entre quem trabalha, esperando-se que saísse irremediavelmente queimada a central sindical CGTP, herança da luta antifascista, da clandestinidade, mas muito em sintonia com o nefando projecto e, logo, execravelmente unitária, monolítica, despótica, etc., etc., correia de transmissão dos terrivelmente sinistros comunistas. Impunha-se “quebrar-lhes a espinha” a uns e a outros.
Com lábia, manha, habilidade, intriga e dinheirinho ressumante do estrangeiro, via França, Holanda e anexos, prosseguiu ao que vinha: gestão dos negócios públicos e privados, numa promiscuidade legalizável e bem aceite, que entrasse e melhorasse pelo futuro.

Ao olhar-se o êxito, é bom não esquecer a preciosa ajuda do mui nobre Senhor Embaixador Americano, Carlucci de nome, ex-director da CIA, benemérita organização de espionagem, célebre em sabotagens, atentados, mortes, golpes ditaturiais, que o mundo conheceu, sobretudo, depois da contra-revolução no Chile e assassinato de Allende, socialista verdadeiro, que foi preciso abater.
 

CAPÍTULO III

O nosso protagonista dava, de facto, garantias, todas, a uma América que, na altura, à palavra socialismo, ainda se arrepiava.
Já no regime de opressão anterior o senhor dera boas provas, dividindo e desavindo a oposição, fazendo campo à parte.

Em virtude disso fora cruelmente castigado com o exílio em S. Tomé a comer lagosta, enquanto os progressistas do país eram perseguidos, presos, torturados, mortos e Cunhal cumpria onze anos de incomunicabilidade, na prisão, que mais seriam, se ele e os camaradas não inventassem maneira de fugir de Penhche.
Finda a insuportável expatriação logo, o senhor emerge fugazmente em Portugal, Nova Iorque, Estrasburgo, aqui e acolá, para vir a sofrer um novo e cruciante exílio em França, com trabalhos forçados nas peroratas de Rennes, tarefas ingratas de organização de amigos e recolha de fundos de partes várias, noites mal dormidas em hotéis confortáveis.

Como é possível a vida encarniçar-se, assim, contra alguém que, sacrificando tudo, se bate, bateu e baterá pela felicidade do seu povo?
E desinteressadamente, generosamente, sem prosápias, numa pureza e elevação de ideais que bem merece o respeito e admiração em vida e que seja consagrado na morte, em repouso eterno, para exemplo dos vindouros, no Panteão dos Grandes, lado a lado com o Senhor General Carmona.

 
CAPÍTULO IV

Os tubarões do regime deposto, tinham, entretanto, enchido as malas com os seus haveres e bens alheios, buscando tranquilidade e merecido repouso por praias de Copacabana, Miami e outras.
Por cá, haviam deixado ficar alguns dos empregados que, falando mansinho, docemente, iam espreitando oportunidades, corrompendo morais frágeis, alargando redes de interesses para que seus patrões, no regresso, encontrassem os palacetes impecáveis, tudo afinadinho para voltarem a exercer os seus talentos, reconstruíndo e ampliando os antigos impérios.

Sabiam tais zeladores que mimos e atenções do género, são, no final, recompensados com poltronas confortáveis, donde se pode ver o mundo cor-de-rosa, a querida família felicíssima, as suas criancinhas predestinadas, ao nascer, à sucessão dos papás, no mando e nos proventos.
Isto, de modo muito mais inteligente e sossegador para todos, lordes e mordomos, pois a abençoada democracia electiva, orgulhosamente implantada, suscitaria, quando muito, pequeníssimas e sanáveis invejas paroquiais, mas nunca dissidências perigosas.

Como é por demais sabido, este sistema de governação não é instrumento útil do capitalismo predador. É, sim, o seguríssimo caminho em direcção ao melhor dos mundos possíveis.
Fim da História. Ver Fukuyama.

Esclareçamos, de vez, o que se chama bipartidarismo:
- Enquanto tu, meu adversário, mas bom amigalhaço, estiveres no poder e eu, descansado em gabinetes atapetados das instituições públicas e privadas, espero que me faças leis a gosto, injectes muita massa nos meus cofres, redecores a casa, renoves a frota, agora tuas, agora, e amanhã minhas.

- Podes contar, desde já, com o meu sincero reconhecimento, que provarei, depois, de forma generosa, retribuindo-te mais e melhor, ao chegar a minha vez.
Perguntar-se-á:

- E os que pagam o pato e a palhaçada?
Resposta:

- Olham apatetados, não percebem nada, apertam o cinto e haverá, mesmo, quem aplauda, entusiasmado, por se rever naquilo e naqueles que vêem e gostavam de ter e ser.
Mais ou menos como pobres maltrapilhos, apinhados à porta das grandes galas, aplaudindo a gente fina que chega em limusinas, toda vestidinha a rigor, eles, exibindo senhoras a rabejar sedas, elas, dobrando-se ao peso dos diamantes e amor eterno que nutrem pelos seus queridos.

Por vezes, mesmo, é possível lobrigar, a espreitar do umbigo das encantadoras damas um cãozinho minúsculo, de raça estranha, muito parecido a um colibri, no tamanho.
Um verdadeiro deleite!

 
APÊNDICE
 
As festanças são para continuar e não pararão jamais, que o requinte exige sempre mais e melhor, a não ser que o pobre diabo, capacho que todos pisam, se arranque do torpor, agarre essa malta pelos colarinhos, sente-os no banco dos réus por roubo, corrupção, abuso do poder, tráfico de influências, gestão danosa, os múltiplos crimes que a justiça prevê, mas não vê, tão ocupada está em castigar os fracos.

Pessoalmente, não defendo a guilhotina, porque seria pôr-me ao nível dos desfrutadores.
Mas gostaria de ver esses tipinhos a viver, como muita gente vive: salário mínimo.

Parece-me um veredicto sensato e gratificante, pois as criaturas teriam uma nova oportunidade de conhecer a vida, alargar experiência, saber, horizontes.
Eu diria, então, como o filósofo Ulrich:

-  Ai, aguenta, aguenta!
Só que pluralizaria.

 

 

domingo, 26 de janeiro de 2014


Dizia, sabiamente, minha avozinha, que quem lhe havia comido a carne, lhe roesse os ossos.
Assim, em princípio, quantos emigraram para as colónias, em busca de uma vida, que o país natal lhes negava, deveriam ter continuado por lá e viver a evolução da terra que os acolhera.

Mas muitos, tendo procurado a árvore das patacas e, não a encontrando, abanavam o preto, para que largasse o que podia dar.
O pior é que, a partir do fim da última guerra mundial, soprou um vento novo e o preto cansou-se dos abanões, revoltou-se, levou tudo de roldão, na sua raiva de quinhentos anos.

Entre a gente branca, havia quem entendesse, mas, como lhe faltava, na testa, qualquer sinal distintivo, viu-se obrigada a regressar às origens na mesma leva dos outros.
Regressados, embora acolhidos com favores que os de cá não tinham, não lhes foi possível retomar a vida que lá viviam e cá não havia a fartura a que estavam habituados.

Daqui, nasceu-lhes e cresce, ainda, no peito um tumor de ódio contra a revolução de Abril, a quem eles, míopes, atribuem a culpa das suas vicissitudes.
Agora, finalmente, empoleiraram-se no mando e estão a desforrar-se em quem está inocente de qualquer dano.

Dir-me-ão que alguns vieram pequeninos e, portanto...
Sim, mas respiraram o ambiente familiar inquinado de um vírus desforrista.

sábado, 25 de janeiro de 2014


Não, não e não à piada pançuda e chocarreira, que saiu do Parque Mayer e subiu à televisão, onde se lhe juntaram aportações igualmente fétidas, com espantalhos coleantes a regerem coros de solteironas desempregadas e riso boçal, que fazem número.
Aprecio, sim, a graça fina, inteligente, que parece ter Ricardo Araújo, no Governo Sombra e, mesmo, em artigos publicados na revista Visão.

Homem! Sei que o chão da profissão está pejado de cacos de vidro, mas sê corajoso e vai em frente. Mostra que a tua geração não está, ainda, completamente anestesiada e Portugal pode salvar-se.

sexta-feira, 24 de janeiro de 2014


Por ter visto, hoje, no DN, uma referência a Óscar Mascarenhas, procurei assentar a marrafinha que me pareceu bastante ouriçada e, lendo, quis saber como voltar a acamá-la correctamente.
Não consegui: o folheto de esclarecimento não me esclareceu de modo algum.

É uma prosa intragável, onde ideias e vírgulas se emaranham, numa fogosidade propagandística de torneira aberta, que julgo descabida.
Aquilo expande-se, densamente, por toda uma folha A4 e sobra muito, ainda, para encher outra metade.

Não entendo como a entidade produtora põe uma coisa assim em circulação, pois não beneficia nada afastando os clientes.

 

Bem cebado, bastos beiços, com ar de cheirar mal, julguei-o, pelo perfil javalino, vindo de zona montanhosa.
Errado, pertence, afinal, a zona mais ao sul.

O outro, mais modesto no vulto, compensa a sua menor espessura com poderosas queixadas salientes e uma vasta testa que começa a partir de sobrancelhas ramalhudas e vai terminar para lá da cauda, depois de contornar por inteiro um crânio luzidio.
Ambos, armados de óculos de lentes poderosas, que, em princípio, deveriam mostrar-lhes a realidade, mas assim não é.

A par ou à compita, assessoram uma estranha criatura de cara assimétrica e meneios curvilíneos, que suscita desconfiança, sob todos os aspectos.
Os três, coadjuvados, por vezes, por uns sujeitos nada tranquilizadores, criaram sociedade de venda do que é alheio e assusta vê-los ou ouvi-los, quando um incauto os interpela em termos morais. Parece que montaram banca para os lados da Estrela e que o negócio lhes vai correndo bem.

Há dias, pretenderam vender-me um serviço de correios e eu, sem grande bossa para a vigarice, disse, inocentemente:
- De que me servirá, se nem sequer escrevo aos meus amigos?

Eles não desarmaram, argumentando:
- Vendes em segunda mão e consegues bom dinheiro. Olha que somos nós a fazer-te um favor, porque estamos, de momento, precisados de liquidez.

Assim falam os sábios quando se trata de pilim.
Cocei o queixo, pensativo, meditei uns segundos e acabei por responder secamente:

- Não estou interessado. O que tenho chega-me.
- Grande besta! – ouvi eu, do trio em uníssono. – Agora é que é fartar, meu animal!

Teimosamente, abanei a cabeça numa negativa intransponível.
Olharam-me com ferocidade e desprezo, viraram as costas ostensivamente e partiram em demanda de alguém mais esperto que eu.

Percebo, agora, que desperdicei uma boa ocasião de me tornar milionário.

Faz pena ver os mesmos que, esquecidos do verdadeiro trabalho dos investigadores, das muitas tentativas falhadas, dos desânimos sempre vencidos, gabam, apenas, o avanço ou a descoberta, se acontece.
São esses mesmos, por ignorância ou estupidez que baste e a muita muita prosápia de pretenso entendedor que, deparando com um pobre tenteio, deixam cair as queixadas, em êxtase contemplativo.

Não me refiro, de certo, aos galeristas que, no seu papel de vendedores numa sociedade de enganos, enaltecem quanto podem expor, como qualquer charlatão de banha-de-cobra pouco escrupuloso no gato por lebre que dão a quem o escuta.
São tais galeristas como milhentos economistas que por aí fervilham, de exíguas letras e muito menos leituras, a largar bacoradas, suponho eu, movidos pelo instinto canino de agradar ao dono.

É que, céptico como sou, julgo o artista capaz, apenas uma vez ou outra, de se exprimir cabalmente numa obra realizada.
Nem é preciso mais, pois bastariam o Cus de Judas do Lobo Antunes, a Passionata de Beethoven, as Banhistas de Cézanne ou o Beijo de Rodin, para que eu ficasse agradecido e os respeitasse.

Pudesse eu um pouco e teríamos, não bolas de oiro futebolísticas, mas mais um Nobel da Literatura. 

  

Quiseram os deuses do Olimpo e do céu lá de cima fazer-me a surpresa de entrar, por mero acaso, na região de Ponte de Lima.
Foi que me enganei na rota e, em vez de Viana, aproei à direcção contrária.

Pois descobri, para meu prazer, uma terra onde, diz a lenda, os Romanos deixaram de saber quem eram, enfeitiçados pelo que lhes foi dado ver.
Não creio haver algo que se lhe compare e já andei por muito sítio.

É lástima, portanto, que quem do turismo se ocupa, fale apenas do sol do Algarve, ignorando o que o país de melhor tem.
É tudo um mimo e a única explicação possível é a de que, por preguiça mental, se limitam a vender um produto já cotado no mercado.

Saiba-se, ainda, que, na zona mais nevrálgica de beleza e cor, precisamente aí, desataram a esburacar a serra, que, segundo parece, é rica em granito fino.
Poderiam ter aberto a pedreira do lado oposto, virando à autoestrada, ou do lado de cá, com discreção e respeito.

Não, senhor, tinha de ser na frente mais visível, escancarando os buracos obscenamente.
Fiz o reparo a um indígena e a resposta não se fez esperar: aquilo dava dinheiro a ganhar a muita gente.

Não repliquei, pois não valia a pena, vindo a saber, mais tarde, que foi dali, exactamente da zona, que saíram já dois secretários de Estado do Ambiente, um chim-chim não obstipado e um obstipado não chim-chim.
Portugal deve ser exemplo de formidáveis governantes.

Bom seria que o parvo fosse menos parvo e soubesse retrair-se nas asneiras que diz ou faz.
Para mal dos nossos pecados, as coisas não são bem assim e, a expensas nossas, o pobrezinho de espírito vai alternando ora no lugar de entrevistado ora no lugar de entrevistador, numa autopromoção contínua que o nobilita aos olhos de um povo idiotizado e a idiotizar.

Não contente, porém, vai invadindo as casas editoras que o acolhem com agrado, por garantir publicidade e venda.
E a lepra está alastrando de tal modo que o exíguo espaço, pertença, por direito, a Saramago, Lobo Antunes e alguns mais, está a estreitar-se assustadoramente de dia para dia.

Mas compreender-se-á melhor o êxito da criatura, quando se tem em conta que houve ministra, dita socialista, exterminadora, simplesmente, da literatura, que substituiu por uma apreciativa degustação de artiguelhos de jornais e revistas cor-de-rosa.
Também, como valioso contributo para o eterno descanso da alma do país, a mui sábia senhora viu-se agraciada com um lugarzinho à sombra dos seus mentores, lugarzinho de proventos e relações.

Perdoe-se, porém, tão crasso disparate, porque a coitada é uma provinciana chapada e jamais medirá o alcance do que, em certa altura, pôde impor a um professorado moldável. Jamais lhe passará pelo bestunto, creio, que uma pedagogia adulterada serve perfeitamente o projecto de um mercado mundial único, onde pulsões, gostos, aspirações, necessidades, ideias sejam únicos, em gente docilmente canina que, como os cães de Pavlov salivavam, gulosos, ao tilintar da campainha do dono.
A expressão chocalhada, frequentemente, de que não há alternativa é pequena amostra do processo de ocupação, por inteiro, do cérebro humano, seja qual for a raça ou latitude.

Valha-nos a esperança de sobrevivência de uns pouquinhos que, depois da catástrofe civilizacional, consigam penosamente construir uma sociedade nova, limpa, saudável, onde se viva a alegria de ser homem e não bicho.

 

quinta-feira, 23 de janeiro de 2014


Sempre me intrigou a abundância de advogados nas bancadas da Assembleia da República.
Há poucos dias, porém, ao dobrar uma esquina do pensamento, dei de caras com a explicação, muito simples, aliás.
 
O preceito primordial da profissão é o proporcionar a melhor defesa ao cliente.
Esta formulação deontológica é, a meus olhos luminosa, no espírito e na letra.
 
Se não, vejamos.
Não se alude, nem de leve, à procura da verdade.
 
Sem lugar para dúvidas, o imputado é um cliente e subentende-se no dito a ideia basilar, também, de que o cliente tem sempre razão.
Logo, na minha condição de comerciante, devo eu dar ao cliente o melhor que ele queira e aconselhá-lo da melhor maneira, para que jamais se sinta lesado e volte a procurar-me sempre que precisar.
Alguns dirão que esta é a porta para a mentira, a tortuosidade, a esperteza de vigarista, e que qualquer moral, venha donde vier, deve ficar no vestíbulo de entrada, esperando que, talvez um dia, possa ser atendida.
 
Agora, dá para entender as contorsões circenses, os passos de mágica, o engano como norma que nos parece ver nos espectáculos dos debates.
É um gosto presenciar a actuação dos profissionais que, com máscara de seriedade, transformam o vinho em água e multiplicam o peixe que vendem.
 
Previno, quem me leia, que não se associem estas minhas palavras à passagem de Cristo pela terra.
Esse, dizem, foi um homem sério e corajoso que pagou com a vida os seus propósitos de revolução social.
 
Nota de rodapé: Julgam-se, final e definitivamente, esclarecidas as dúvidas suscitadas pela razão profunda de as Faculdades de Direito registarem o maior número de vagas e admissões.
As graves carências do país assim o exigem, tanto mais que seria inconcebível desperdiçar a irradiação de cérebros como o Senhor Professor ou um tal Lara, muito apreciador de Saramago, que soube ir para além das vírgulas que apontou o não menos ilustre crítico Cavaco.

Com muita pena minha, perdi a absorvente paixão pelo futebol quando me assomaram os primeiros pêlos no queixo e as primeiras ideias na cabeça.
Tão-pouco creio que possa reaprender a amá-lo fervorosamente mesmo que me pusessem num cadeirão televisivo, junto aos doutos comentadores, que filosofam, diariamente, sobre tácticas, estratégias, lesões, transferências e muitos outros temas que fazem a riqueza deste ramo do saber.

Sofro, para meu mal, de uma espécie de torção no pescoço, torção irremediável, porque, por mais que faça, já não consigo voltar à posição correcta.
E lastimo imenso, já que gostaria muito de contribuir para a aceleração do único motor que anima Portugal.

Em suma: a minha entorse tornou-se um aleijão.

Resignado à triste sorte, limito-me a reflectir sobre as coisas menores do quotidiano e, eis se não quando, eclode-me um orgulho de que há muito precisava: o nosso entendimento é muitíssimo mais exigente do que em qualquer parte do mundo.
Referir-me-ei, a título de exemplo, à França, onde se fala, com desprezo, dos cães atropelados, “les chiens écrasés”, forma sobranceira de olhar as notícias idiotas que, com nojo, arquivam no caixote dos papéis.

Esta atitude reprovável explica por si só a degradação crescente que atingiu, com o pico mais elevado de que há memória: a eleição de um presidente pateta.
Nós, longe disso.

Muito pelo contrário, notícia entrada nas redacções da TV tem, de imediato, uma primeira versão nos lábios da apresentadora ou nos beiços do apresentador.
Depois, segue-se a variação, geralmente em dó maior, do repórter local ou enviado na hora, que confirma a veracidade dos factos, recorrendo ao testemunho, ocular ou não, de testemunhas e seus familiares.

E o escrúpulo não fica por aqui, pois é traçado um historial do antes, do durante e do depois, com insistência nos pontos mais relevantes.
Por vezes há o reforço, ainda, da opinião ponderada de um familiar muito próximo ou de primos afastados.

Digam-me, agora, se encontram sítio no mundo onde se tenha um grau tamanho de exigência informativa.
Portanto, é maledicência gratuita, sem razão, dizer-se que somos superficiais ou ignorantes.

Que Nosso Senhor nos mantenha, para todo o sempre, nesta conscienciosidade profissional!

 

quarta-feira, 22 de janeiro de 2014


            Senhor Director Geral da
            Autoridade Tributária e Aduaneira

 
Eu, machista confesso, declaro, por minha honra, ter ordenado à escrava, minha actual mulher, que, doravante, passe a exigir, em seu nome e meu, factura de qualquer produto ou objecto comprado, que a necessidade obrigue.

Esteja V. Exª descansada que ela irá cumprir, obedientemente, o meu desejo e Vosso, podendo V. Exª cessar a correspondência assídua em que me promete carros topo de gama, se a sorte me bafejar.

Garanto e juro sobre a Bíblia que me verá V. Exª, mais dia menos dia, chegar no meu camião das obras, com todas as facturas que V. Exª pede, ainda que se trate de um raminho de salsa ou de uma cabeça de alho.

Muito empenhado no cumprimento da minha palavra, permita-me que Lhe sugira a criação de uma brigada de inspecção para cada mercado, pois já aconteceu o diabo da campónia, tentando esquivar-se ao seu dever, alegar não ter levado consigo nem máquina registadora nem computador.

Na certeza de que V. Exª confiará na solene promessa deste seu criado, subscreve-se humildemente,

O cidadão exemplar.

“ - Não há nada à borla!” *
A cobra cuspideira revela-se: não é pétrea, só, é maldosa e cruel, não é apenas cruel, é uma doente sádica.

Creio chegado o momento de querer saber como se geram monstros no seio da sociedade.
Basta parar e reflectir um pouco.

Quem, em seu juízo perfeito dá poder discricionário a quem quer que seja, sem lhe controlar os actos, vigiar-lhe os intuitos e demiti-lo, se for um incapaz ou tratá-lo, se se trata de um caso patológico?
Não prevendo enganos e dando rédea solta ao primeiro que nos sorri, podemos criar um verdadeiro inferno, donde se torna difícil sair e começar de novo.

Pois, enquanto olhávamos e não acreditávamos no que víamos, houve tempo de sobra para colocar peças, decretar leis, corromper consciências, apodrecer vontades, erguer muros onde se acolhem os acólitos, tramas de interesses cruzados, sicários, guarda pretoriana.
Ao sacudir o torpor e tentar remediar o erro, vemos que é tarde de mais: o fascismo já se cimentou.

E o futuro são cinquenta anos mais de desgraça, perseguição, tortura e cobardia de quem diz: pude fazer e não fiz.

 
*  Ver debate de hoje, na Assembleia da República

 

 

 

 
 
Gostaria de entender por que razão o trabalho escuro do camponês tem sido desprezado, através dos tempos, e não há gajo que não se sinta no direito de explorá-lo, pagar-lhe miseravelmente, condená-lo a viver, por assim dizer, de esmolas.
 
Mesmo a esquerda honesta e consequente, não a outra bandeada, travestida de socialista, mesmo essa esquerda, repito, parece esquecer com frequência ser o camponês a pôr-nos a comida no prato e, sem comidinha, nem corpo nem espírito querem funcionar.
 
Nauseam-me os meneios politiqueiros que levam candidatos às terrinhas, onde muito democraticamente, depois dos apertos de mão convencionais, bebem um copo a empurrar a rodelinha de chouriço mastigada à pressa.
Tão-pouco me apanha a senhora ministra dos animais domésticos, quando apregoa o impulso colossal que imprimiu à agricultura, no intervalo de duas mamadas.
 
Em sua boca de oiro, tudo se encaminha, a par dos outros ramos de governação, para uma plétora final que nos porá à beira da indigestão.
Contudo, a realidade é diferente, com os preços baixíssimos que os distribuidores oferecem ao produtor, os custos brutais de compostos e adubos, os gastos energéticos insuportáveis, os canais de escoamento sempre adiados e, agora, para mais, a inscrição obrigatória de qualquer dono de courela que, registado, repertoriado, controlado, irá largar centenas de euros pela honra de figurar em estatísticas e, depois, uns bons milhares, para a avidez do fisco.
 
Sei de pessoas que, à falta de emprego, com formação superior, voltaram às terras do nascimento e quiseram fazer render as courelas herdadas.
Mas, face às múltiplas dificuldades burocráticas, creditícias, comerciais, impositivas, pegaram na maleta, passaram a fronteira e foram em demanda de outra forma de viver.
 
Esta é a realidade e não outra.
Se houver quem duvide, consulte os dados da emigração e repare no abandono dos nossos campos.
 

É todo perfeito, da cabeça aos pés, mas Nosso Senhor não o quer vaidoso e fez-lhe um risquinho no disco mental, de modo que, quando fala, palavra sim palavra não, solavanca na frase, saindo-lhe uma dicção não em linha recta mas uma linha quebrada de picos pronunciados.
Eu, gaguinho como sou, não daria por isso se o senhor não fosse do arco da governação e, hoje, finalmente, da equipa salvadora do país.
 
Por inerência de funções, a criatura aparece, frequentemente, nos ecrãs da televisão, a fim de explicar-nos a nós, simples súbditos, a excelência das medidas que implementa em áreas várias do trabalho, do emprego e da caridade, a que hoje se chama, se não me engano, solidariedade social.
E fala e fala e fala e, no dia seguinte, lá está ele, de novo, pois a reforma das instituições é de enormíssimo vulto e de todos os momentos, com vista a fazer muito mais e melhor, sem quaisquer recursos, porque a fauna dos mamadores do Estado, a voracidade dos bancos, os juros astronómicos, que nos cobram lá fora e cá dentro, não nos possibilitam nos livrarmos dos credores e, muito menos, crescer economicamente.
 
Quero, contudo, de uma maneira ou doutra, tranquilizar o senhor, poupando-he o esforço, porque eu pertenço ao bom povo português e sou um dos muitos da manada dos resilientes.
 

 

 

terça-feira, 21 de janeiro de 2014


Sempre me boliu com o entendimento esta coisa de se falar em ruas da amargura.
E, à falta de melhor explicação, quedei-me pensando que isso ficaria para os lados da Musgueira.

Ultimamente, essa relativa tranquilidade minguou e vai minguando dia a dia, dado o esforço nosso em ocupar lugares cimeiros, à escala mundial, promovendo desemprego, miséria, desprotecção, numa expansão abrangente, da Galiza de Baixo, o Minho, a Marrocos de Cima, o Algarve.
Graças aos céus, o acaso sorriu-me, faz poucos dias, quando abri a televisão e tentei fugir à imensa porcaria que ela verte.

Imaginem, tropecei às tantas num debate que tinha, de um lado, António Filipe, do Partido Comunista, do outro, Teresa Caeiro, do CDS.
E, quase explodi na alegria de Arquimedes, ao ouvir a senhora defendendo, açodada, as pedrinhas da calçada.

Digam-me se não se percebe a surpresa da senhora, que rondava a indignação, por ter julgado ver no confrontante alguma displicência, pensando que, por obtusidade dele, com certeza, não conseguia alcançar a dimensão do cruciante e momentoso problema, sobretudo a acontecer num país onde reina a paz e a felicidade e nada há mais a assinalar.
Todo eu ardi na ânsia de intervir e ajudar a nobre dama num ataque feroz ao outro, o insensível.

E se eu tinha razões de peso!
Havia-me lembrado que, outrora, em terras nossas, um rei deixara obra capaz e, consequentemente, era detestado pelos compêndios, tanto mais que se apoiara no povo contra os nobres da época, que, como os de hoje, também tinham açambarcado por completo o país.

Foi D. João II.
O homem, ao subir ao trono, dizem ter dito, que eu não ouvi:

- Meu pai deixou-me rei das estradas de Portugal.
É ou não actualíssimo o desabafo, se não fúria? Com uma diferença: na altura, ninguém pensaria que nem sequer as estradas escapariam à gula do capitalismo depredador.

E pareceu-me que, nas profundidades do cérebro da senhora deputada, algo lhe sussurrava que defendesse o nosso património futuro.
Pois não é nada provável que haja compradores, nacionais ou estrangeiros, para as ruas do país, ainda que criando portagens a cada esquina, já que isso implicaria investir bom dinheiro no levantamento de portais por todo o lado.

Bom será, portanto, que, desde já, cuidemos das sobrantes vias públicas, ou nem isso teremos amanhã.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014


 
A FAUNA E A FLORA
 
Quem me dera rins flexíveis e muita agilidade de modo a poder saltar para o outro lado da linha ideológica que separa o arco da governação do espaço de governados expoliados.
 
Teria à minha roda gente fina, cordata, educada, frequentaria meios recomendáveis, e não pelintras, sentar-me-ia, confortavelmente, ora nas bancadas da Assembleia ora nas poltronas de Administrações ou Fundações, a expandir o que me brota do cérebro ou flui do meu coração muito filantrópico.
 
Onde me encontro lobrigo apenas miséria e desgraça, enquanto que, passada a linha, os céus são cor-de-rosa e a paisagem verdejante.
 
Ele são oliveiras altas, frondosíssimas, a cobrir facilmente qualquer obra de alvenaria e enchem, até mais não, as arcas da economia própria, nogueiras largas que não dão nozes, é certo, mas facilitam o seu acesso, pereiras tantas que formam florestas, carvalhos gigantescos que cobrem tudo o que à volta houver, soutos, muitos, de loureiros banhados numa aura celeste e silvas tão pouco espinhosas que já se encontram a decorar os bancos.
 
E a fauna, meu Deus, espantosamente exótica, como jamais se viu: coelhos de muitas raças, que vencem os castores em obras de construção, outros tão bravos que, em vez de caçados, são caçadores, lobos mansinhos que mamam em toda a teta, cordeiros sentados nos bancos, cobrando entradas, e grilos, sardinhas, passarinhos, estes pipilando em fios eléctricos, aqueles e aquelas proliferando no desenvolvimento da terra, ar e mar.
 
Previno quem me leia que a minha descrição é pálida, anémica, comparada à realidade deste país de sonho, a lembrar-me um jogo televisivo, popular em França, da descoberta do tesouro, depois de passos decisivos e portas ultrapassadas.
 
Se também tiver desejo de o ver e desfrutar, aconselho uma preparação prévia com leitura de Alice no País das Maravilhas, de Lewis Carroll e Os Privilegiados, de Gustavo Sampaio.

domingo, 19 de janeiro de 2014


O ultra-romantismo, afinal, não era idiota como o pintam, ao pôr os mortos a erguerem-se das tumbas, à meia-noite exacta, para gemer mágoas ou chatear os vivos.

Marx, o barbudo, por exemplo, apesar dos enterros frequentes que lhe fazem, persiste em viver, com a agravante de não respeitar horários e surgir a todas as horas do dia.

Dizia ele e diz que sempre o ensino visou inculcar, em cabeças tenras, uma meia dúzia de saberes, com vista a servir e perpetuar um mundo onde poucos vivem à custa de muitíssimos (Ver sermão de Santo António aos peixes do Padre António Vieira).

Nunca, que eu saiba, foi intenção da escola formar cidadãos pensantes, críticos, autónomos, criativos e, hoje, em período de grande sinceridade, afirma-se à boca cheia, sem contraditório, que tem de responder apenas às necessidades das empresas.

Explica-se, pois, o meritório trabalho do Senhor Ministro Pedagogo (tudo com letra grande, note-se), entisicando a educação e negando-lhe o acesso aos cuidados de saúde, inspirado no seu colega boca torta.

E as razões são matemáticas:

1 - A evolução técnica dá poder a alguém, e seu computador, de produzir mais e melhor o que exigia, antes, centenas de pessoas.

O curioso é esta colossal produtividade não ser percebida e sumir-se misteriosamente em bolsos insaciáveis, acabando toda a gentinha por concordar que o crescente aumento da percentagem entre trabalhadores activos e pensionistas não permite a ideia parva de pagar reformas, mesmo que se tenha descontado uma vida inteira.

2 – Meninos e meninas, cujos pais disponham de abundantes meios, por inerência de casta endinheirada, esses terão, por si, universidades selectas, de luxo, aqui ou lá fora.

Depois, caso pretendam integrar-se na vida activa, espera-os, merecidamente, presidências, direcções, chefias, que quem tem um olho é rei em terra de cegos estupidificados.

Logo, como se vê, é tudo oiro sobre azul e o burro continuará burro, a zurrar, suportando dócil e convenientemente a albarda e aquele que o monta gozará, deliciado, de transporte quase gratuito, desfrutando, lá de cima, o panorama do país.

É ou não magnífico?

 

sexta-feira, 17 de janeiro de 2014


Num esforço desmedido que muito me custou, fui superando o êxtase que de mim se apossara e, por fim, registei, deslumbrado:
“Exercício de falta de memória”
Por favor, atentem na profunda densidade do dito, na riqueza enigmática do conteúdo, na inexcedível elegância expressiva.
Este pequeno arrincanço tem recorte oracular, délfico e, suponho, inspirado de um mundo que só os deuses conhecem.
Ignorante como sempre, eu cá desconhecia antes, que, sob o céu, havia tão excelso pensador e estilista, pois constara-me, apenas, que se limitava à guarda da caixinha das esmolas.
Se na minha feitura, Deus me tivesse prendado com um nadinha de argúcia, adivinharia, por certo, o fenómeno, porque qualquer ser recrutado para o elenco governamental é, obrigatoriamente, alguém de muito muito muito talento e saber, cicerone seguro neste nosso caminhar para os amanhãs que cantam.
Infelizmente, andei sem dar por isso.
Agora, porém, face a uma formulação tão luminosa, estou decidido a afirmar que a criatura se encontra bem ao nível dos seus pares, onde avultam, como se sabe, personagens famosos no mundo inteiro, entre os quais um cientista-filósofo que eclipsou desde há muito o saudoso eleata Américo Tomás.
Saiba-se, pois, que uma nova estrela cintilou na constelação dos formidáveis renovadores da economia portuguesa, para mais inovadores sem par da língua indígena, em arroubos de imaginação transfiguradora que nos deixam entrever uma realidade, que a realidade oculta, e distâncias sonhadas que a miopia nossa não enxerga.
A graça celeste que os banha é tal que até indivíduos nulos, mas sempre presentes, estão desprendendo rutilações que irão iluminar-nos, segundo os áugures, nas próximas décadas e nas próximas das próximas.
Benvinda seja esta bênção divina que, na altura oportuna, deu-nos apóstolos, pouco valorados ainda, mas que, dentro em pouco, refulgirão nos altares administrativos das empresas cervejeiras e outras, bancos nacionais e estrangeiros, transnacionais aspirando a cósmicas.
Alguns, num gesto de abnegação e santidade, deixar-se-ão captar pela voracidade insaciável de instituições europeias e mundiais, que se enriquecem dia a dia com o que de melhor os países produzem, financeiramente e imoralmente falando.
Digo-o, porque aconteceu com o distraído Constâncio, da direcção suprema do BCE, o certeiro Gasparinho, talhado para missões de alto risco, o Arnaut raivoso, exímio privatizador retalhista e maiorista, agora no robustecimento ético dos pilares do templo Goldman Sachs, e o fofinho Barroso, com encantador sorriso de cherne, grande timoneiro à proa da Europa dos direitos, do progresso, da riqueza, do bem-estar.
E, como os astros auguram, dentro em pouco, revezados já por uma nova vaga de jotinhas sequiosos, presentemente em estágio, teremos, santificados, em seus nichos de oiro, um parlapatão maduro, o gaguinho caritativo, a financista gélida e pétrea, o coveiro de Viana, Pedro, Paulo e etc., todos figurando no vasto número de patronos que velam e velarão por nós.
A estes juntar-se-ão, mais tarde, alguns ainda, no purgatório da espera de quem não entendeu que é pouco alguém esconder-se hipocritamente em palavras mansas e precisa, portanto, de cuidar o desagradável aspecto de mula da cooperativa ou de fuinha desaustinada.
Posto isto, quero aqui clamar, bem alto, de imediato, o meu aplauso e agradecimento aos desígnios superiores, porque cérebros iluminados de tamanho esplendor e pessoas impolutas de carácter exemplar não podem nem devem desperdiçar o natural fulgor em países minúsculos como esta coisinha aqui.

terça-feira, 14 de janeiro de 2014


CARTA ABERTA

Senhores,

Dos muitos analistas e comentadores, nenhum, nenhum ainda, referiu o que há décadas se passou com diversos países em diversos continentes.

Falam do pequeno Portugal como se fosse caso único, à excepção da Grécia, que esconjuram de longe a longe, quando um malintencionado nos compara.

Jamais duvidarei do imenso saber que se aloja nos vossos cérebros, depois da Católica ou da reputada universalmente Faculdade de Economia da Nova.

Quem andou tantos anos nas mãos de Cavacos ou Queixadas, Neves ou passa-fomes, enfrasquilhados em fato novo, não está como esteve. Não, ficou escavacado, mais burro ainda. É ver os exemplares Camelos e meia-f., os faxinas ao rancho, agora criadores de receitas de bem servir os patrões.

Estou certo, claro, que no cumprimento consciencioso de fazedores de opinião, de manhã, ao pequeno almoço, de roupão e pantufas, lêem todos os  jornais da paróquia e selectas publicações estrangeiras, custeadas pela banca, inteirando-se dos momentosos momentos e acontecimentos outros por que estamos passando.

O escrúpulo que põem no trabalho, bastante rendoso e a contento dos agiotas, com a presença obrigatória nas direcções e redacções de jornais, mesas redondas e bicudas de canais televisivos, entrevistas oportunas de oportunistas, percebe-se que um trabalho destes não vos dará  tempo livre e a menor moderação no vosso afã refletir-se-ia, pesadamente, no ordenado ao fim do mês.

Contudo, na esperança de uma pequena abertura, atrevo-me a recomendar uma leitura da intervenção, em conferência na Sorbonne, do presidente Correa, do Equador, publicada na edição portuguesa do Le Monde Diplomatique, ou o pequeno estudo de Vicenç Navarro, no Publico online espanhol que, graças a Deus, nada tem a ver com O Público português.

Se, caso sintam força para mais e as vossas meninges possam aguentar, aqui vão uns títulos, dignos de atenção a todos os títulos:

Loretta Napoleoni, Rogue Economics

Vicenç Navarro, Hay Alternativas

A. Garzón Espinosa, La Gran Estafa

Susan George, Cette fois, en finir avec la démocratie

David Harvey, The New Imperialism

Ignacio Ramonet, Le Krach parfait

Frédéric Lordon, Jusqu’à quand? Pour en finir avec les crises financières

Irei, mesmo, ao exagero, confiado na resistência do vosso estômago, de aconselhar The Rise of Disaster Capitalism, de Naomi Klein, na língua original ou em espanhol, onde poderão encontrar traduções fiáveis dos autores citados, já que, para nossa vergonha, a tradução portuguesa da jornalista canadiana de investigação causa vómitos.

Desculpem esta ousadia doutoral, mas pareceu-me estarem algo desinformados e não se aperceberem de que países, onde Shumpeter, Hayek e Friedman se impuseram à força bruta da bota militar ditatorial,  repudiam hoje a dolorosa experiência e ficam boquiabertos com a nossa estupidez de não termos aprendido nada com eles.

É que o capitalismo selvagem, enxotado de alguns países da América do Sul, virou-se à Europa, e quer compensar o que perdeu, espezinhando os indígenas, para poupar nas onerosas deslocalizações, sempre a exigir instalações, transportes, seguros, tempo perdido, etc.

Sem mais, muito pesaroso do incómodo causado por despertar algum escrúpulo,

O irresiliente.